O alastrar do âmbito da Inteligência Artificial (IA) tem gerado muitos comentários prós e contra, bem como ameaças e oportunidades em diversas áreas de atividade e profissões.
Assistimos a um impacto disruptivo que afeta a forma de trabalhar, gerir, pensar ou ensinar e que colocará em causa os modelos de organização empresarial atuais. As vantagens para o utilizador têm duas dimensões: gratuitidade no acesso à informação e abrangência das temáticas e aplicações. No fundo, o principal fator de atratividade assenta na comodidade (ou comodismo).
É a Netflix, que recomenda séries ou filmes de forma personalizada, a Amazon que sugere produtos com base no histórico de compras e visualizações, o Facebook que segmenta os anúncios em função do público-alvo, o Spotify que entende os gostos musicais com base em padrões de escuta, o ChatGPT, que fornece respostas interativas em tempo real, o IBM Watson que ajuda as empresas a prever tendências de mercado, comportamento do consumidor e resultados de campanhas, o Snapchat que cria filtros de realidade aumentada ao interagir com o ambiente e o rosto do utilizador, a Grammarly que propõe estilos de escrita e corrige a gramática ou a Tesla que agenda serviços e providencia suporte técnico aos clientes.
Em todos estes exemplos, o denominador comum assenta na comodidade do utilizador, que cada vez mais valoriza a redução do atrito na interação com as marcas. É neste sentido que esta leitura dos acontecimentos e a sua aprendizagem deve rapidamente ser compreendida pelos setores de atividade ou empresas que pararam no tempo, resistindo à mudança na forma como gerem a sua atividade. É que, amanhã, os clientes deixam de aparecer, não porque foram para a loja do outro lado da rua, mas porque optaram por uma qualquer "cloud" de local incerto.
Depois, há dois ciclos em confronto, seja na direção ou declive: enquanto humanos, vamos perdendo uma ou outra faculdade à medida que vamos envelhecendo (à parte de necessitarmos descansar); do outro lado, a IA não dorme, não descansa, agrega diferentes formas de pensar, inova, gera alternativas, aprende com o erro, não se zanga e adapta-se. Podemos gostar ou não desta evolução, só não podemos é travá-la com as mãos.
É exatamente por causa disto que hoje já é possível simular receitas e prescrição de exames médicos, promover destinos turísticos, incluindo a o processo de venda e acompanhamento da viagem, tal como produzir peças jornalísticas, pedagógicas, jurídicas, científicas, de marketing ou históricas. A que custo? Para o utilizador, a um valor praticamente insignificante. E esse é um enorme atrativo para as partes.
Se as empresas interpretarem o crescimento da IA como um fenómeno que cria sinergias e gera eficiência operacional que contribui para a redução de custos, então teremos o próprio humano a valorizar a utilidade e benefício da sua aplicação, seja nas operações de rotina, atendimento, produção de conteúdos ou gestão operacional, independentemente da área funcional.
Os demais atrativos da IA são bem evidentes: desde uma segmentação granular dos clientes, identificando padrões e preferências, à personalização de conteúdos, automação das tarefas repetitivas de marketing, como envio de e-mails, gestão de campanhas ou análise de dados, até ao próprio atendimento ao cliente, via "chatbots" que oferecem respostas rápidas e personalizadas.
Se a tudo isto, adicionarmos o reconhecimento de imagem e vídeo, que facilita a análise de conteúdo visual nas redes sociais, a publicidade programática, que otimiza a gestão da compra de espaço publicitário em tempo real ou as ferramentas de análise de sentimento, que ajudam a entender a forma como os consumidores avaliam a marca, então cada empresa terá descoberto o seu próprio algoritmo de interação com o mercado.
Por fim, acrescente-se que as novas gerações não têm a pretensão ou a ambição de acumular informação como forma de veicular sabedoria. O que as motiva também já não é saber onde procurar essa informação, uma vez que a mesma se tornou banal e acessível (Google, Youtube ou TikTok). O que elas exigem é uma resposta rápida, completa e atual a toda e qualquer pesquisa, preferencialmente por via da voz ou imagem.
A pergunta que devemos fazer é se, nessa ocasião, estamos do outro lado ou perdemos por falta de comparência.
Pedro Celeste é diretor do Executive Master in Strategic Marketing da Católica Lisbon Business School & Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics