Na sequência das entrevistas que a Renascença está a fazer sobre "Os Desafios que Portugal Enfrenta", no âmbito das eleições legislativas de 30 de janeiro, a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) foi desafiada a apontar temas que os decisores políticos deveriam ter na agenda.
Maria Emília Brederode dos Santos lamenta que a Educação não esteja a ter mais peso na campanha, defendendo que os responsáveis políticos deveriam dizer o que propõem para o sector, numa altura em que a escola se debate, não só, com a falta de professores, mas também com outros profissionais, nomeadamente técnicos informáticos para fazer a manutenção dos milhares de computadores que foram distribuídos pelas escolas.
Nesta campanha eleitoral, pensa que a educação está a ter o destaque que deveria ter?
Não, mas claro, que sou parte interessada. Acho a educação fundamental e, portanto, acho sempre pouco, mas na realidade parece-me que houve pouco demais.
Há partidos que se referem mais do que outros e melhor do que outros e sobretudo com mais imaginação, do que outros, porque há alguns que a única coisa que querem é regressar ao passado. Acho que, de facto, faltou peso e faltou presença da educação e faltou uma visão de futuro. Acho que era importante que houvesse uma explicitação do tipo de sociedade que cada partido defende.
Que temas de educação é que os partidos deveriam trazer para a campanha?
A escola está a passar por uma grande transformação, isso verifica-se por uma série de medidas legislativas e práticas que foram adotadas pelas escolas, mas talvez isso ainda não se sinta na sociedade. Continua-se a pensar que uma escola exigente, uma escola boa, é uma escola que chumba, é uma escola que é muito seletiva e não é verdade. Uma escola boa, é uma escola que consegue que todos os alunos aprendam, pronto! Isto é o ideal, claro! Nem sempre se consegue, é muito difícil, mas a verdade, é que o foco tem que estar aí.
Pensa que a falta de professores deveria ser um dos temas com lugar na campanha, tendo em conta, que ainda há alunos sem professores a todas as disciplinas, especialmente nas regiões de Lisboa e do Algarve?
A falta de professores é um problema e é preciso também repensar um bocadinho a função do professor, porque acho que, por um lado há uma enorme exigência em relação aos professores e por outro lado uma tristeza e um certo desgosto, um descontentamento, a sensação de que não são suficientemente valorizados. Esta perceção mudou um bocadinho com a pandemia, porque as pessoas aperceberam-se de como é difícil o trabalho do professor. Esse reconhecimento deveria ter consequências na carreira do professor, mas também ao nível da formação e não é só formar para ter mais professores, mas pensar que novas funções é que o professor tem que desempenhar e como é que a formação deve ter isso em conta.
Pensa que a formação deveria ter uma maior aposta na área digital?
Sim, por causa desta solução fantástica que foi o ensino à distância. Todos achavam que os miúdos eram nativos digitais, que sabiam fazer tudo e mais alguma coisa, e não é verdade. O que sabem é muito específico: ir aos jogos ou ir às redes. Já os professores podem ter mais dificuldades em usar as plataformas e talvez também seja por isso que o digital trouxe mais burocracia para as escolas. Os professores queixam-se de estarem sempre a responder às mesmas coisas e a dar as mesmas informações em suporte digital quando na realidade uma das vantagens do digital seria justamente poupar esse de trabalho. Seria, por isso, crucial apostar na formação digital, tanto dos miúdos como dos professores. Já agora acrescentaria a formação dos pais, que nessa altura pediram muita ajuda.
Tendo em conta, como reconheceu, que a falta de professores é um problema, pergunto-lhe: será que os responsáveis políticos se apercebem que a escola tem esse problema?
Penso que provavelmente não tem sido dada a atenção devida, embora essa falta de professores se tenha feito sentir mais cedo do que aquilo que se perspetivava. Em todo o caso, sem pretender de maneira nenhuma diminuir a gravidade do problema, gostava de dizer que apesar de tudo há algumas confusões: muita gente diz que a profissão não é atraente, que os jovens não querem ir para professores e, portanto, os cursos ficaram às moscas.
O que nós constatamos é que as Escolas Superiores de Educação do litoral encheram e até ficaram candidatos de fora, como por exemplo, em Setúbal. Já as Escolas Superiores de Educação do interior, não, como por exemplo, Portalegre. Portanto, o problema neste caso, não é tanto da atratividade da profissão, é mais da atratividade das instituições. As respostas possíveis têm de ter em conta isso. Poderia haver um programa de bolsas orientado para as instituições do interior.
Face à falta de professores, em determinadas zonas do país, pensa que há caminho para se pensar na atribuição de um subsídio de mobilidade?
Não sei, é um problema mais global e tem a ver com as outras carreiras na função pública, sobre o que é oferecido aqui e ali. Acho que tem de ser visto de uma maneira mais global. Não invejo nada o ministro que tenha isso entre mãos, porque acho que é um tema muito complicado e que toca muito com a vida das pessoas, mas acho tem de ser visto globalmente.
Que outros questões deveriam merecer uma atenção particular dos decisores políticos? Pensa que é tempo de fazer uma revisão curricular?
Para já, acho que deveria de haver uma atualização sistemática e periódica dos currículos. De cinco em cinco anos ou de oito em oito anos, o importante é que houvesse. Há programas que estão constantemente a ser mudados, mas há outros que não são mudados há mais de vinte anos. Portanto, não faz sentido, que havendo tantas transformações no mundo, como aquelas a que estamos a assistir, não haja uma apreciação permanente, ao nível científico e da adequação dos programas aos alunos.
Os alunos queixam-se de ter excesso de matéria para estudar, de ter pouco tempo para digerir e de ter poucas atividades.
Essa questão leva-nos à avaliação. Pensa que o ensino está muito centrado na avaliação?
Acho que está. Infelizmente, acho que muita gente gostaria que não estivesse. Acho que os próprios professores, muitas vezes, gostariam que não estivesse. É contraditório com o objetivo da educação para todos. De facto, o papel da avaliação, que é importante, para melhorar e aferir o sistema, é sobretudo utilizado como motivação negativa: se não estudas não passas e como motivação positiva: é preciso ter boas notas para continuar.
Isto é contraditório com uma escolaridade obrigatória de 12 anos, com a ideia do direito à educação e isso não se compadece com aquela prática antiga do papel seletivo da avaliação, da exclusão e da repetição de ano. Todas as pessoas que estudam isto, independentemente da sua orientação política, concordam que isto não é útil, não é eficaz, não é interessante, não é bom.
O que deveria ser feito para tornar a escola mais apelativa?
De facto, a escola parece mais adequada às raparigas, ou as raparigas mais adequadas à escola. Sei que por um lado o corpo docente está muito feminilizado. O que a escola pode fazer? Eu também não sei, mas deveria ser um problema a ser encarado e admitir que os rapazes também precisam de uma atenção especial. É preciso perceber porque é que isso acontece e como pode ser ultrapassado.
Acho, por exemplo, que devia haver mais desporto nas escolas para atrair os rapazes, mas também as raparigas porque um estudo da OMS, que Margarida Gaspar coordenou cá, uma das coisas que mostrava é que nós tínhamos, de facto, ao nível dos miúdos uma muito baixa taxa de atividade física, especialmente nas raparigas, portanto também temos de tornar as raparigas mais interessadas nas atividades desportivas.
Como se compreende, então, que o Desporto Escolar, não esteja atualmente a desenvolver qualquer atividade orientada para os alunos?
Se assim for, é pena, porque o Desporto Escolar é uma forma de trazer para a escola, os miúdos mais reticentes e de outros meios.
Eu acho que toda a atividade física durante a pandemia deveria ter sido mais incentivada. O Desporto Escolar vive muito para os desportos de equipa, mas a atividade física pode ser praticada, pelos menos, as atividades mais individuais.
Relativamente à escola digital, foram investidos centenas de milhões de euros em computadores, ainda vêm a tempo?
Eu não duvido que vão ter imenso uso. O que eu receio é que se desatualizem depressa, por outro lado o que eu gostava é ter a certeza de que eles serão utilizados ao serviço de uma pedagogia mais ativa e não para substituírem o professor ou para imitarem um modelo transmissivo.
É preciso que haja formação nesse sentido para professores e para alunos, que não pode ser só digital, também tem de ser pedagógica.
As escolas estão a braços com dificuldades em manter esses equipamentos operacionais e atualizado. Reconhece o problema? O que deveria ser feito?
É verdade. a questão dos técnicos de informática é muito importante e fazem imensa falta, todos temos consciência disso Isso tem de ser colmatado rapidamente e aí, mais uma vez, tem de haver um esforço deliberado de formação de técnicos de informática. Os professores de informática já foram fantásticos durante a pandemia, Não são em número suficiente e não é justo pedir-lhes essa ajuda. De facto, tem de haver técnicos de informática. É uma necessidade. Tem de se investir nisso.
A essa situação junta-se a falta de manutenção das bicicletas que já foram compradas. Agora vêm aí mais. Está previsto um investimento de 3 milhões do PRR. Que soluções podem ser dadas?
Se calhar cada escola ou cada agrupamento não pode ter um profissional específico para cada coisa. Isso tem de ser visto ao nível das autarquias, por exemplo. É um problema local.
Acredita que a descentralização pode resolver, em parte, esse problema?
Sim, acho, que sim. Há um grande receio com a descentralização, com o facto de as autarquias interferirem com a função das escolas, de ensinar os miúdos. Há, no entanto, muitas outras coisas onde as autarquias podem ajudar. O CNE tem uma recomendação que é muito clara sobre a repartição de competências.
Houve precipitação no arranque presencial das aulas neste segundo período letivo, tendo em conta o aumento do número de casos de infeção por Covid?
Se era para abrir era para abrir. As pessoas já estavam exaustas.
Esta nova variante, que contagia tanto, tem perturbado muito a vida social, económica e a vida das escolas, mas qual era a alternativa? Era continuarmos todos em casa? Não sei. Tem sido um período muito complicado e com o qual ninguém sabe lidar. Escusamos de tentar encontrar culpados. O que podemos é tentar ser o mais responsável possível.
Quer fazer algum apelo aos decisores políticos, que agora estão em campanha eleitoral?
É importante saber quais as propostas para tornar a escola como um local aprazível, onde os alunos se sintam valorizados. É importante também que as direções das escolas possam ser mais pedagógicas e menos administrativas, que haja um esforço para desburocratizar, a verdade é que os professores se queixam muito desse peso e, portanto, deveria haver um esforço para identificar o problema.
Há outra questão, que tem a ver com as crianças dos 0 aos 3 anos. Hoje em dia há uma tendência para valorizar muito essa faixa etária, ao nível das neurociências, mas cá é complicado, porque estão entregues à Segurança Social. Acho que valia a pena investir na parte educativa, como já foi feito com o pré-escolar.
Esta área tem sido muito esquecida por todos.
Sugere uma transferência de tutela da Segurança Social para o Ministério da Educação ou deveria ser conjunta?
Eu penso que, pelo menos, para começar deveria ser conjunta. Há outro problema que é preciso ter em conta que é o da carreira das educadoras de infância que estão nas creches, que não têm a mesma carreira das educadoras de infância que estão no pré-escolar e esse é um fator que também tem ser tido em conta.
Outra área que tem sido esquecida e que os políticos devem trazer para esta campanha é a educação de adultos.
Se por um lado é uma questão de justiça, para muitos que não tiveram oportunidade de estudar na altura devida, é também um benefício para os filhos. É uma educação que é reprodutiva
Como é que a educação deveria ser encarada?
É preciso saber que tipo de sociedade se pretende. Fala-se muito da escola como elevador social, mas isso é uma perspetiva muito individual, porque o que se pretende é que seja um elevador social global, para que toda a sociedade seja mais educada, mais culta, mais interessada e mais informada. Essa é a perspetiva com a qual me identifico.