Na abertura do colóquio “Abuso sexual de crianças: sobre conhecer o passado, cuidar do futuro”, promovido pela Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica em Portugal, o coordenador Pedro Strecht frisou que o problema não é só da Igreja. Neste evento foram atualizados alguns números relacionados com a recolha de testemunhos.
“A bom tempo quis a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) abrir os seus e os nossos olhos para este problema que é da Igreja… tanto quanto, ou ainda muito mais, da sociedade civil. No primeiro semestre de 2021 a PJ registou um número recorde de processos de abusos sexual de crianças – mais de 1.300.”
Segundo o coordenador, em breve vão ser enviados mais casos (além dos 16) para o Ministério Público investigar.
A socióloga Ana Nunes de Almeida revelou também, na sessão de abertura, uma subida de testemunhos. No último balanço, de abril, tinham sido registados 315.
“Temos 326 testemunhos até ontem à noite: Mais homens que mulheres, de todas as regiões do país, de todos os grupos etários, de todos os níveis de escolaridade, embora com uma natural sub-representação dos mais escolarizados. E temos o registo de todas as modalidades de abuso contempladas no inquérito”, avança.
Mas a investigadora alerta que para além destes testemunhos diretos, "somando o número que pessoas que estas testemunhas dizem ter conhecido também como vítimas do mesmo tipo de abuso, que este número sobe para muitas, muitas centenas de crianças e adolescentes”.
Ana Nunes de Almeida garantiu também que as entrevistas com dioceses estão a decorrer a bom ritmo e que têm sido recolhidos relatos de experiência de contactos com abusos.
Em relação ao acesso aos arquivos da Igreja, explicou que essa tarefa estará a cargo de uma equipa de historiadores sob a liderança de Francisco Azevedo Mendes, docente na Universidade do Minho.
Bispos estão todos a colaborar
Pedro Strecht referiu o desejo de celeridade na justiça portuguesa. “Neste caso é muito importante acontecer o seguinte:
Chegarmos ao fim do trabalho, apresentarmos o relatório e,
mesmo que seja algum
tempo depois, as pessoas sentirem que também no sentido de uma justiça
reparadora aconteceu algo
”.
Aos jornalistas, Pedro Strecht voltou a sublinhar que, ao contrário do que foi noticiado, não houve bispos que se recusaram a responder. A semana passada, Daniel Sampaio admitira em entrevista ao programa Hora da Verdade que foi “um meio de pressão” para que respondessem mais depressa. O coordenador fala numa diferença de timings, que depois foi esclarecida relacionadas com datas da Semana Santa e outras atividades programadas.
“De verdade e sem nenhuma dúvida, essas entrevistas ou já decorreram ou estão agendas. Não falta a colaboração de ninguém.”
Questionado sobre casos de encobrimento por parte da hierarquia da Igreja, o coordenador da comissão explicou que existe uma questão de linguagem que tem um peso jurídico diferente – que é aquela que nos leva do encobrimento à ocultação.
“O que temos falado e é sabido é que existiu
ocultação, em várias situações, por membros da Igreja. O que pedimos é que em
todo trabalho futuro, nomeadamente na colaboração que espera na consulta dos
arquivos históricos, não se faça de novo – como disse o dr. Laborinho Lúcio – ‘ocultação
da ocultação’”, explicou.
O colóquio decorre ao longo desta terça-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e conta com a presença do Presidente da República.
Desde a sua constituição, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica estabeleceu novos contatos com estruturas e instituições. Assim, além das comissões diocesanas, do Instituto de Apoio à Criança e da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, este grupo de trabalho refere ter contactado também a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, institutos religiosos de Portugal, Associação Quebrar o Silêncio, Sistema de Proteção e Cuidado de Menores e Adultos Vulneráveis (inserido no Serviço de Escuta dos Jesuítas).
Esta comissão foi criada por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), no fim do ano passado, integra, além do médico Pedro Strecht, o psiquiatra Daniel Sampaio, o juiz conselheiro e antigo ministro da justiça Laborinho Lúcio, a socióloga Ana Nunes de Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares, e ainda a cineasta Catarina Vasconcelos. Tal como há um mês, data em que foram disponibilizados os meios de denúncia, a comissão sublinha a intenção de “dar voz ao silencio”, apelando a que as vítimas deem o seu testemunho e garantindo-lhes total anonimato.
A comissão está a promover
conferências e debates para apelar ao testemunho, seja por telefone (917 110
000) ou email (geral@darvozaosilencio.org).