Há dois dias, em Nova Iorque, a propósito de revelações em torno do caso do furto de armas em Tancos, Marcelo Rebelo de Sousa disse o seguinte: “Mas para que não restem dúvidas, por uma questão, não só de honra pessoal, mas porque estou aqui a defender a posição de Portugal, é bom que não esteja a defender a posição de Portugal na assembleia-geral das Nações Unidas ao mesmo tempo que surge uma vaga dúvida sobre se o Presidente é criminoso, é bom que fique claro que o Presidente não é criminoso.”
Este foi, creio, um dos raros momentos em que o chefe de Estado, hábil gestor da sua comunicação estratégica, deu um passo em terreno menos firme.
O habitual tom ponderado (de quem fala na certeza do que vai acontecer ‘quatro ou cinco jogadas à frente’ no xadrez da política nacional) foi, por instantes, substituído por uma reação quase visceral, desproporcionada, de quem se sente acossado. E isso – imagina-se que a contragosto do próprio Presidente – tornou o evento no ponto central das agendas políticas de um dos primeiros dias de campanha eleitoral, mesmo que a generalidade dos líderes partidários (Rui Rio sendo, talvez, a exceção mais visível) tenha feito uma esforço imediato para o afastar.
Entende-se bem que o Presidente não queira ser foco de atenção durante uma campanha para eleições legislativas e entende-se ainda com mais facilidade que os partidos se contorçam todos quando a sua agenda própria é capturada por uma figura com tanto apelo popular. Mas talvez fosse importante perceber melhor o que perturbou tanto a compostura de Marcelo e que ligação poderá isso ter com a forma como, ocasionalmente, a nossa vida política é afetada por fugas de informação cirúrgicas (neste caso, alegadamente, com base numa escuta telefónica que nem sequer integra o processo).
Este é daqueles assuntos que não devia ficar guardado para um livro de memórias.