Há mais de um ano, em Maio de 2016, numa visita a instalações militares, o Presidente da República disse que as eleições autárquicas iriam abrir um novo ciclo na politica portuguesa. Com o Governo há seis meses no poder e o PSD ainda a questionar a legitimidade da solução de esquerda, Marcelo Rebelo de Sousa respondia assim aos jornalistas que o questionavam sobre uma eventual dissolução do Parlamento.
O Presidente da República – na ocasião, provavelmente uma daquelas em que estava a falar para a direita e a direita não entendeu – colocava nas eleições autárquicas a marca para uma eventual viragem na política portuguesa. O resultado das autárquicas poderia servir para reforçar um dos lados e dar indicações sobre o futuro. Marcelo não voltou a falar da importância das eleições autárquicas nestes termos e, ainda antes de 1 de Outubro, terá perdido a esperança de que tivessem essa componente de viragem de ciclo.
Mas, afinal, tiveram, só que não terá sido no sentido que o Presidente queria e, pior, vieram agudizar aquela que já era uma das principais preocupações do Presidente e agora será mesmo uma das maiores: a existência de alternativas políticas.
Marcelo tem defendido que é preciso uma oposição forte, uma alternativa clara à actual maioria de esquerda. Disse-o várias vezes, em várias ocasiões. E voltou a dizer nas comemorações do 5 de Outubro. “A existência de alternativa quanto à governação é sempre preferível às ambiguidades diluidoras e que só reforçam os radicalismos anti-sistémicos”, afirmou o Presidente no seu discurso na Praça do Município, curto de sete minutos, mas cheio de conteúdo e de recados.
Os resultados eleitorais de 1 de Outubro acabaram por levar Pedro Passos Coelho a deixar a liderança do PSD, que entra num processo de sucessão interna que vai causar ainda mais divisões dentro do partido. Acresce o resultado de Assunção Cristas em Lisboa, que lhe permite cantar vitória e ambicionar uma nova relação de forças com os seus antigos parceiros de coligação.
A divisão dentro do PSD pode dar ainda mais espaço e força à líder do CDS, que tem os próximos meses para se apresentar como construtora de alternativa e líder em plenitude de funções da oposição ao “governo das esquerdas” como gosta de lhe chamar. E, se gerir bem o momento, pode até liderar a reflexão sobre o futuro do centro-direita em Portugal.
A alternativa pela qual Marcelo anseia pode, assim, demorar mais e ser bem mais frágil do que o Presidente gostaria. E, além disso, pode ter um protagonista que não será nada ao seu gosto: Rui Rio, o protocandidato a líder do PSD, que foi secretário-geral de Marcelo quando este liderou os sociais-democratas, mas com quem a relação não terminou bem; zangaram-se no âmbito do processo de refiliação de militantes que Rio liderou e cortaram mesmo relações pessoais. Mas não é só pelo passado que Rio não agradará a Marcelo, é também porque o ex-autarca do Porto é um adepto do Bloco Central – chegou a defendê-lo depois das legislativas de 2015 –, pelo que se pode ler no aviso sobre as “ambiguidades diluidoras” também um recado para dentro do PSD.
O Presidente olha, pois, para o seu partido de sempre com preocupação, ansiando por essa mudança de ciclo que lhe permita deixar de apoiar tanto o Governo. Mas, até lá, vai continuar a ter de ter a “grandeza de alma” que também pediu aos políticos no 5 de Outubro para fazer convergências no verdadeiramente essencial – a começar nas condições para a estabilidade política que permita estabilidade económica – , mantendo as frontais e salutares divergências naquilo que o não é.