A Itália demorou demasiado tempo a assustar-se. Se o medo tivesse tomado de assalto os milaneses e os lombardos, um pouco antes, talvez o colapso dos serviços de saúde e consequentemente o evoluir da própria economia e dos números de mortos e infetados pudesse ter sido bem menor. Portugal está também a resistir ao pânico, enquanto pode. Não admira: temos um Presidente hipocondríaco e um primeiro-ministro “otimista irritante” e não é fácil conseguir o equilíbrio. Ainda assim a quarentena de Marcelo parece-me um sinal público mais prudente do que o adiamento das decisões mais difíceis por parte do Governo tímido e difícil de compreender. Pode ser esta a oportunidade de fazer pedagogia cívica.
O Covid-19 apanhou-nos a todos de surpresa. As contas do mundo já não iam bem. Os analistas estavam já a rever as previsões de crescimento mundial quando, no dia 10, as bolsas norte-americanas caíram ao nível do 11 de Setembro e as europeias seguiram-lhe o exemplo. O petróleo cotou-se então ao nível mais baixo dos últimos 30 anos e o colapso das bolsas voltou a repetir-se com a Bolsa de Nova Iorque a parar três vezes a seguir a cada descida.
Na quarta-feira, a Bolsa de Lisboa caiu mais de 6% e atingiu o valor mais baixo dos últimos 24 anos ultrapassando o máximo do pessimismo dos tempos da troika ao 11 de Setembro.
“Pandemia” é uma palavra que assusta os investidores e a gigantesca dívida pública nacional não nos protege de novos ataques especulativos contra os juros agora anormalmente baixos. Ataques, capazes de deitar por terra toda a confiança reconquistada nos últimos quatro anos de austeridade “contida”. O nervosismo dos mercados simplesmente faz-nos “acordar” para as nossas debilidades escondidas.
Até há poucas semanas do que se falava, e já era muito, limitava-se à existência em curso de uma guerra comercial (EUA vs. China) a par de uma crise petrolífera resultante batalha entre dois produtores de petróleo pelo controle do preço (Arábia Saudita- Rússia). Também se falava da guerra da Síria que tinha recomeçado com a Turquia agora a chantagear a Europa por não estar a apoiá-la. Erdogan utilizava, para isso, os refugiados como armas de arremesso para conseguir mais ajudas europeias (a somar aos 6 mil milhões de euros contatados para conter o fluxo migratório). Além de depositar os refugiados na fronteira grega a Turquia exigia que Bruxelas fechasse os olhos ao massacre de curdos que o regime levava a cabo desculpando-se com a necessidade de evitar o renascer do Daesh.
Na América as primárias democratas começavam também a dominar as atenções e, por cá, o surgimento de novos casos de corrupção desencadeava mais uma crise de confiança na Justiça, ainda à espera da primeira decisão do caso Marquês. Resumindo o Covid apareceu, em força, na China, com o mundo distraído demais para se concentrar no fenómeno.
Lá longe, o Presidente chinês, Xi Jinping, foi combatendo o vírus com medidas tão originais quanto decretar cidades com mais de 11 milhões de pessoas em quarentena, com controles à entrada e à saída numa pluralidade de regiões, e medições de temperatura obrigatórios. Construíram um hospital em dez dias e só quando a epidemia começou a escapar ao controle chinês acordámos realmente para a gravidade da notícia. Pareceu-nos primeiro uma espécie de gripe das aves, uma gripe “má” como a classificou, furioso, um médico espanhol em declarações ao jornal i e que vive agora dias de drama na sua cidade de Madrid recém-afetada a um nível nunca previsto.
Por lá, segundo o relato do mesmo profissional, vive-se nos principais hospitais a realidade dos hospitais de campanha. Não são só as tendas militares plantadas um pouco por toda a parte que lembram o cenário de guerra. São também as temíveis decisões sobre quem salvar, que mais perturba quem está a trabalhar no combate à doença. A escolha entre doentes em estado gravíssimo perante a escassez de meios, as crises de burnout entre enfermeiros incapazes de atender à falência simultânea dos sinais vitais de vários pacientes. É o convívio com a morte levado ao extremo para o qual nem os profissionais de saúde estão preparados em tempo de paz.
A Associação de Hotelaria de Portugal, até junho, já prevê uma queda de receitas superior a 50%. Um critério que lhes permite recorrer à nova lei do lay-off, um pequeno exemplo do que poderá ser a precarização do emprego que já parece fatal este ano. Ainda nem sequer acabámos o primeiro trimestre e já há empresas de eventos e agências de viagens estão a ameaçar falência.
Mas haverá muito mais: na cultura, com o cancelamento de festivais, cinemas, teatros, exposições; no desporto, com competições que não se realização ou têm lugar à porta fechada. Também no turismo e restauração, um setor a valer quase 15% da riqueza anual nacional, e onde o impacto ainda é imprevisível.
Onze mil infetados, 800 mortos e apenas 1045 curados é o balanço dramático feito ontem na Itália, onde já só permanecem abertas as farmácias e as lojas alimentares, sujeitas à limitação de entradas e à distância obrigatória entre clientes. Por cá, como se sabe continua-se à espera, à espera, à espera.
O Governo não pode queixar-se da oposição. Quando muito, peca por excesso de confiança no nosso Serviço Nacional de Saúde. Ainda esta terça-feira, Miranda Sarmento dizia aqui na Renascença que não tinha ainda nada a apontar à equipa da Saúde. O facto de estarmos no início da pandemia ajuda a que a avaliação não possa ainda ser mais do que um “achismo” sem validade científica. Conhecendo, contudo, as nossas condições hospitalares, a falta de meios, a escassez de médicos e o facto de os próprios constituírem um grupo de elevado risco, diria como o povo que “cautela e caldos de galinha não fazem mal a ninguém.”
E cautela aqui é o quê? Desde logo, assumir o risco e perceber que mais vale uma má decisão do que uma indecisão. Ou seja, não se admite “falta de mando” e neste caso parece-me que a decisão de António Costa está a passar por um processo de excesso de “audições de aconselhamento” à Guterres. Tem ouvido toda a gente, tem feito contas a mais e tem tardado a tomar a mais difícil, mas mais eficaz das decisões: decidir.
O senhor Trump, na atitude preconceituosa e provocadora que o caracteriza, depois de desvalorizar o tema atacou-o de uma forma desproporcionada como sempre, vedando os seus aeroportos a todos os voos provenientes da Europa (excluindo a Grã-Bretanha, está claro, porque os “brexistas” embora tenham tanto corona vírus como os restantes estão a merecer um carinho especial da administração).
Em Portugal, é preciso passar a mensagem de que quarenta e férias são situações diferentes, e escolas fechadas podem continuar a ensinar através das novas tecnologias.
É pelo menos sintomático o facto de a maioria das escolas privadas terem decidido encerrar muito antes das públicas.
Mas também há efeitos que podem ser positivos. Há hoje várias pequenas empresas de sucesso onde o trabalho em casa é já uma prática generalizada e não acarreta nenhum problema de produtividade. Talvez outras descubram não só que é possível, como tem fortes vantagens para trabalhadores e patrões. Seria um salto de gigante contra o “presentismo” dominante e a conciliação entre o trabalho e a família. Aposto que nasceriam muito mais bebés.