Quando, há pouco mais de três anos, foi ordenado sacerdote, Nelson Fernandes estava longe de imaginar quão dura viria a ser a sua missão no apoio espiritual às comunidades que lhe foram destinadas.
Aos 29 anos, o padre da arquidiocese de Évora exerce o seu ministério no concelho de Mora, onde é pároco na sede de concelho, e nas freguesias de Pavia e Cabeção, além de assumir a capelania nas misericórdias locais.
No distrito de Évora, Mora foi um dos concelhos mais fustigados pela pandemia, com o registo de vários surtos em simultâneo.
“Foi pesado”, confessa à Renascença, “foi como que segurar na vida do outro quando este está numa situação de maior fragilidade, senti isso em cada surto e, sobretudo, em cada funeral”.
Obrigado a ficar em isolamento profilático, o sacerdote não baixou os braços e durante esse período desdobrou-se em contactos telefónicos, numa experiência que, apesar das circunstâncias, apelida “de comunhão e bela”.
Percebeu que “falar da minha morte, como a encaro, na perspetiva cristã, é fácil”, mas “não é fácil compreender, aceitar e acompanhar a dor e a morte do outro”.
“Eu acompanhei, por exemplo, uma família que viu partir as três irmãs, no espaço de pouco mais de 15 dias, em que os filhos sepultaram também os pais, primeiro o pai, depois a mãe, além dos mais de 30 óbitos no concelho em poucos meses”, conta o jovem padre.
“Foi uma experiência muito dura para as famílias fazerem o luto, sem um abraço, sem uma palavra, sem um último olhar”, acrescenta.
Gerir as emoções foi um desafio gigante, conseguido na fé e na entreajuda. “Esta é uma comunidade pequena, onde toda a gente se conhece e, aqui, vive-se a autenticidade da fé, não são apenas consumidoras de rituais, partilham a vida, partilham experiências, criam relações que vão além da Igreja”, o que é, sublinha, “muito bonito ver esta solidariedade, este sentido de comunhão”.
Em termos de aprendizagem individual, o padre Nelson Fernandes fala em “muitos ensinamentos”, desde logo uma “maior consciência de que a vida terrena acaba por ser muito breve”, levando a questionar o “sentido da vida e o plano que Deus tem para mim.”
Numa outra dimensão, o sacerdote confirmou a necessidade de “estar ainda mais de sentinela, mais presente junto das pessoas”, tendo verificado que “uma simples mensagem ou um telefonema do padre, revitaliza o outro, tão carente de conforto.”
“Uma porta de entrada para a comunidade local”
Para corresponder às necessidades e aos desejos das comunidades que acompanha, Nelson Fernandes decidiu avançar com a ideia de criar uma rede de apoio espiritual, contando para o efeito com a colaboração de mais quatro sacerdotes.
A iniciativa foi divulgada através das redes sociais e na página da internet da arquidiocese, onde os sacerdotes colocaram as suas fotografias e números de telefone, disponibilizando-se para, com todo o sigilo, atenderem quem necessite, entre as 10h00 e as 22h00.
“Depois alargar, não só aos diocesanos de Évora ou aos nossos paroquianos, mas a todos aqueles que o queiram fazer, todos os católicos de Portugal, mas não só, mesmo os que não são batizados podem entrar em contacto”, explica, à Renascença.
“Pode ser direção espiritual, como simplesmente uma partilha de vida, um desabafo, uma conversa, no fundo, um momento de partilha e de combate à solidão daqueles que agora a sentem de forma mais acentuada”, esclarece.
A verdade é que a iniciativa está a ter recetividade, de norte a sul. “Posso dizer-lhe que a nível de chamadas, em média recebemos oito a 15 por dia. Não posso falar do conteúdo, como é óbvio, mas tenho sido contactado por pessoas de várias partes do país, por isso faço uma avaliação muito positiva”, observa.
O padre Nelson Fernandes refere que, em geral, “são conversas duradouras, algumas voltam a repetir-se, sobretudo direção espiritual”, sendo contatado, principalmente, por “mulheres e jovens”.
“Para muitas é uma porta de entrada”, acrescenta, pois “muitas delas, são pessoas que se afastaram depois da catequese e este acompanhamento, espero eu, será uma porta de entrada para a comunidade local”.
Consciente de que a iniciativa “não irá durar para sempre”, o jovem padre acalenta a esperança de que, quando terminar o confinamento, seja possível “acompanhar estas pessoas” e “encaminhá-las para a sua comunidade local.”