Considerado um dos mais notáveis pensadores do século XX português, o padre Manuel Antunes nasceu em 1918, na Sertã. Como professor marcou várias gerações de estudantes na Faculdade de Letras de Lisboa, onde lecionou, mas destacou-se também como diretor da revista Brotéria, ligada aos jesuítas. Assumiu o cargo em 1965, e ali escreveu centenas de artigos sobre os mais variados temas, da cultura histórica, religiosa e filosófica à atualidade política, social e literária. Muitos assinou-os com pseudónimo.
“É, sem dúvida, o autor de língua portuguesa que mais pseudónimos usou, foram 126”, contou à Renascença e à agência Ecclesia o historiador José Eduardo Franco. Em alguns usava sobrenomes “ligados à Beira, em torno da Sertã, onde nasceu”, e tinha pseudónimos “para diferentes especialidades”, como “relações internacionais ou economia, outros para assuntos de matéria filosófica e teológica”. Que também serviam para tentar escapar à censura, quando os temas que tratava eram mais sensíveis.
Dar a conhecer esta e outras facetas do padre Manuel Antunes é um dos objetivos do programa pensado para comemorar os 100 anos do seu nascimento. José Eduardo Franco, que preside à Comissão Organizadora do Centenário, reconhece que “é uma figura que tem vindo a ser revalorizada, especialmente desde 2005, quando iniciámos o processo de publicação da sua obra completa”, mas considera que chegou o momento de ir mais longe: “este ano pretendemos torná-lo mais conhecido, para além dos muros da academia.
Chegou o momento de o internacionalizar e de dar a conhecer às novas gerações o seu pensamento e o seu legado”, disse. É nesse sentido que está a ser preparado um Congresso internacional e que está a ser organizada “uma obra seleta, com os seus melhores textos, para publicar em várias línguas”, pelo menos em espanhol, inglês, francês e italiano.
Um ano de iniciativas para lembrar “uma personalidade única”
A 26 de Março, foi inaugurada, na Sertã, uma exposição itinerante que recorda o padre Manuel Antunes como “pedagogo da democracia”, a mesma que agora pode ser vista no átrio da Faculdade de Letras de Lisboa, e que depois andará por várias escolas do país. Um documentário sobre o padre Manuel Antunes, uma biografia ilustrada, uma história infanto-juvenil e uma maratona de leitura, são outras das iniciativas previstas para assinalar este ano especial. Mas, o ponto alto das comemorações será de 3 a 6 de novembro.
“Na data do seu nascimento, a 3 de novembro, vamos fazer um grande congresso internacional na Gulbenkian, na Assembleia da República e na Sertã, tendo como pano de fundo o seu pensamento e a sua obra. Vamos repensar Portugal, a Europa e a globalização nesse congresso.
Será uma iniciativa realmente aberta para pensar o mundo e a humanidade em que vivemos, e os desafios que se nos apresentam em pleno século XXI”, explicou José Eduardo Franco.
Guilherme d’Oliveira Martins, que preside à Comissão Científica do Centenário, coordenou dois volumes da sua obra completa. “Felizmente, graças à Fundação Gulbenkian, essa obra está publicada, os textos são conhecidos e os estudiosos podem a eles recorrer”, sublinhou em declarações à Renascença e à agência Ecclesia.
“Amigo pessoal e admirador” do padre Manuel Antunes, considera-o “uma personalidade única na nossa cultura”, que “estava consciente dos caminhos necessários de renovação da Igreja, e dos sinais dos tempos”, e que “sempre defendeu o diálogo entre cristãos e não cristãos, numa perspetiva aberta, de modo a contribuir para que sociedade contemporânea pudesse ser melhor e pudesse respeitar integralmente a dignidade de todos”.
Essa capacidade de ler a realidade e antecipar tendências para o futuro, foi-nos também sublinhada por José Eduardo Franco, que sempre que pode regressa a um dos textos de Manuel Antunes que mais o marcou.
“Ele tem textos fabulosos, mas há um pequenino que se intitula "O homem espuma", onde ele caracterizava, nos anos 60, a emergência do novo homem contemporâneo, da era da informação e da informática, como o ‘homem espuma’, ou seja, o homem ligeiro, com falta de raízes, um homem volátil, sem consistência, sem convicções. Portanto, ele chamava a atenção para o perigo desse homem que estava a surgir e sobre a importância de repensar o homem num tempo em que estávamos cada vez mais dominados pela tecnologia”, explicou o historiador.
Para o provincial dos jesuítas o padre Manuel Antunes é uma “referência incontornável”, sobretudo no modo como construiu pontes. “Independentemente de tudo o que escreveu, do que fez, o que mais aprecio no seu legado é a sua capacidade de um diálogo sincero com o tempo presente” e a sua “grande capacidade de entrar em diálogo crítico e generoso com o tempo que lhe foi dado viver, e nesse sentido alguém com grande capacidade de estabelecer pontes, de encontrar pessoas, de gerar empatia, e tudo isso faz com que ele hoje seja recordado com grande simpatia, afeto”, disse o padre José Frazão Correia. “Sem dúvida que é um jesuíta não apenas que recordamos, mas com o qual temos muito que aprender ainda hoje”, sublinhou ainda.
“Foi um dos nossos grandes professores”, lembrou o diretor da Faculdade de Letras de Lisboa, e anfitrião da cerimónia desta quarta-feira, para quem foi o estilo com que comunicava que marcou tantos alunos. “Ao contrário de certos professores que gritavam muito, ou faziam muitos gestos, o padre Manuel Antunes era famoso por não fazer nenhuma dessas coisas, e aquilo que muitas pessoas que o conheceram ainda se lembram é de ser uma figura pequena, a falar em voz muito baixa para auditórios gigantes de pessoas em silêncio. Isso é a marca de um grande professor”, disse Miguel Tamen.
Na apresentação do programa comemorativo marcou também presença o presidente da câmara da Sertã. Lembrando que o padre Manuel Antunes “nunca renegou as suas origens humildes, nem nunca esqueceu os seus”, José Farinha Nunes disse que são ainda muitos os que naquela vila beirã se recordam “das suas palestras e das suas homílias”. Parte das cerimónias comemorativas deste centenário vão, por isso, passar pela Sertã, incluindo o Congresso Internacional.