O Conselho Superior da Magistratura (CSM) decidiu arquivar a queixa contra o juíz Carlos Alexandre, no âmbito do processo sobre o caso de roubo de armas em Tancos. Em causa está a comunicação sobre a decisão de levar ou não o caso a julgamento.
No dia 26 de junho, advogados e arguidos foram dispensados de estar presentes na sala do Tribunal Central de Instrução Criminal para a leitura do despacho instrutório que decidiu levar a julgamento os 23 arguidos deste caso. O juíz Carlos Alexandre assumiu o compromisso de divulgar a decisão por email logo após as 15h00 do dia 26 de junho, mas tal não aconteceu e a informação saiu primeiro na comunicação social, com largas horas de avanço em relação à notificação dos arguidos.
Perante o sucedido, 16 advogados queixaram-se de que Carlos Alexandre não cumpriu o acordado, notificando por correio eletrónico a decisão, de forma atempada. Queixavam-se também de ter sido transmitida irregularmente informação à comunicação social, que soube antes de todos os arguidos vão a julgamento no caso Tancos.
O CSM arquivou a queixa, alegando não ter sido possível apurar de onde partiu a fuga de informação.
Num documento a que a Renascença teve acesso, o CSM conclui que “não foi possível, até ao momento, apurar quem é que procedeu à referida informação à comunicação social, sendo que o senhor juíz referiu que nem o próprio, nem a secção o fizeram. O CSM considera que se apurou e ficou esclarecida a parte relativa à ‘demora’ da comunicação da decisão e não se apurando qualquer comportamento do tribunal susceptível de ser censurado, propõe-se o arquivamento do procedimento”.
Os advogados acusaram o Tribunal de “não assegurar, tempestiva e adequadamente a comunicação que era devida à mesma hora para todos” lembrando que “as horas foram passando sem que tivessem recebido cópia da decisão instrutória, ao mesmo tempo que na comunicação social se divulgava que todos os arguidos tinham sido pronunciados nos exactos termos constantes da acusação do Ministério Público”, alegavam.
O Conselho Superior da Magistratura levou por isso a cabo uma averiguação. De acordo com o documento a que a Renascença teve acesso, o CSM verificou que dois advogados tomaram conhecimento do conteúdo da decisão por consulta do processo junto do tribunal.
Isso mesmo foi referido pelo juiz Carlos Alexandre que, na resposta ao Conselho, esclareceu que entregou a decisão por volta das 14h10 à respetiva secção, para cumprimento do acordado.
“O trabalho de digitalização da decisão instrutória, documento com 2.462 páginas, foi interrompido porque se apresentaram no TCIC para consultar a decisão instrutória, o Exmo. Sr. Dr. Tiago Melo Alves, ilustre defensor do arguido João Pais (principal suspeito, acusado de tráfico de armas) e o Exmo. Sr. Dr. João Luz Soares, ilustre defensor do arguido Hugo Santos (acusado de tráfico de armas), os quais estiveram na sala a consultar a decisão instrutória, entre as 15h30 e as 16h20”.
Pode ler-se ainda que “a funcionária judicial que entretanto teve de realizar trabalho no Tribunal de Monsanto, no âmbito de outro processo, regressou ao TCIC e cerca das 21h50 horas remeteu a decisão, por email, a todos os mandatários”.
Carlos Alexandre garante que “não facultou a decisão a ninguém, não a copiou após rubricar, nem a secção o fez e não sabe como apareceram, em órgãos de comunicação social, fotocópias rubricadas”.
Conselho regional da Ordem pede inquérito “sério” à fuga de informação
O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados (CRL) diz que a divulgação da decisão instrutória do processo de Tancos pela comunicação social antes da notificação dos arguidos é “machadada no sistema judiciário” e considera que, “ou se acaba com o segredo de justiça de vez, ou, se é para existir, tem de se fazer cumprir e haver consequências”.
Assim, esta quinta feira, o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados pediu ao Conselho Superior da Magistratura que fosse aberto um inquérito “sério” que permita a “averiguação de tudo o que se passou e que levou a que os intervenientes ficassem a conhecer a decisão Instrutória de Tancos pela comunicação social e não pelo tribunal”, explica João Massano, presidente do CRL.
Indignado com o que considera ser uma violação grosseira, João Massano afirma que “não podemos continuar num sistema de faz de conta! Quando não se cumpre nunca há culpados e responsabilidades” e sublinha que “o facto de não se respeitarem os intervenientes processuais é uma macheada no Sistema Judiciário”.
Os casos são mais que muitos e o responsável pela delegação de Lisboa da Ordem dos Advogados afirma que tal “indicia que o sistema judicial não consegue respeitar os intervenientes dos processos. Não é admissível que sejam notificados pela televisão e órgãos de comunicação social. Infelizmente é uma situação que não é exclusiva em Tancos mas em mais processos judiciais”.
A decisão foi conhecida no passado dia 26 de junho, sexta feira, todos os arguidos do caso Tancos foram pronunciados nos exatos termos da acusação, pelos mesmo crimes. “Alguns colegas foram notificados às 22h00 quando desde as 15h30 já circulava na comunicação social o teor da decisão. Outros foram notificados apenas na segunda feira seguinte”, acrescenta.
João Massano considera que é hora de o CSM agir. “É indispensável para a credibilização do sistema saber como saem estas informações assim desta forma” e admite que, “caso se verifique que o Ministério Público também esteja envolvido, entendo que sim, que se deva também aí fazer um inquérito de averiguação. Da mesma forma que se um advogado estiver envolvido, terá de sofrer consequências”.
E lamenta ainda: “nunca se descobre a realidade, não podemos continuar assim, todos falam que é inadmissível, mas nunca se descobre o que se passa. Isto repete-se em várias situações. Ainda agora houve um jovem que pôs termo à vida na prisão e, mais uma vez, a comunicação social soube primeiro do que os pais e o advogado. Não se pode saber da morte de um filho assim! Não é correcto”.
“Infelizmente o que se tem verificado é que a situação se vem generalizando sem se pôr termo a estas irregularidades. Parece que toda a gente encara como legítimo que as notícias dos processos surjam primeiro na comunicação social” e diz mais, “ou se acaba com o segredo de justiça de vez, ou se é para existir tem de se fazer cumprir e haver consequências”, conclui.