O constitucionalista Vitalino Canas acredita que a atuação do SIS no caso Galamba foi um "erro" e que este deveria ter sido assumido.
O socialista que integrou durante mais de uma década o Conselho Superior de Informações entende que a melhor via para tranquilizar a opinião pública e proteger os Serviços de Informação era dizer-se: “De facto, há aqui dúvidas. Eventualmente houve um erro porque realmente o SIS tem competências definidas na lei, e não passam pela prática de atos de polícia. Realmente, se calhar, na altura, devia ter-se procedido de outra forma".
Sem defender eventuais demissões, Vitalino Canas considera que o essencial é assumir que houve um erro - "e eu acho que existiu" - e assumir que serão alterados os procedimentos internos. É disso que as pessoas estão à espera, diz em entrevista à Renascença.
Por outro lado, diz ter muitas reticências sobre a abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito que incidam sobre Serviços tão sensíveis como aqueles integram o SIRP.
Como olha para este mar de contradições sobre a intervenção do SIS no caso Galamba? Que saída para isto?
Havia aqui, como fator fundamental, a necessidade de proteger os serviços. Por outro lado, também temos de garantir a tranquilidade das pessoas em relação àquilo que o SIS a faz.
E parece que, nem uma coisa nem outra... até agora.
Eu acho que este avolumar de informações não têm satisfeito esses dois desideratos.
Há informações contraditórias. Ouvimos a Secretária-geral do SIRP que o pedido lhe chegou, e que foi ela a dirigi-lo para o SIS. Ouvimos, por outro lado, o diretor do SIS a dizer que o recebeu diretamente. É uma nebulosa.
É de facto uma nebulosa. Quase unanimemente tenho visto a dúvida que eu próprio tenho: Qual é o fundamento jurídico que permitiu ao SIS fazer aqui a intervenção. Significa que, pelo menos, existe uma dúvida legítima que não pode ser simplesmente chutada para canto.
E está a ser chutada por quem tem responsabilidade...de uns para os outros. É possível continuarmos mais tempo nesta situação?
Sinceramente, acho que aquilo que tranquilizaria a opinião pública era dizer-se: “De facto, há de aqui dúvidas. Eventualmente houve um erro porque realmente o SIS tem competências definidas na lei, e não passam pela prática de atos de polícia. Realmente, se calhar, na altura, devia ter-se procedido de outra forma”.
Para assumir que houve um erro, tem de haver responsabilidades. Quem é que se demitiria, nesse caso?
Permita-me, mas nestas coisas sou muito mais conservador do que a maior parte das pessoas. Não acho logo que exista razão para as pessoas se demitirem. A ter existido um erro - e eu acho que existiu - é haver uma comunicação a dizer: “Vamos alterar os nossos procedimentos internos, fizemos uma ponderação e isto não ocorrerá”. Acho que é isto que as pessoas estão à espera.
Estão à espera. Só que, ao mesmo tempo escutamos uma versão comum, de Adélio Neiva Cruz e também de Graça Mira Gomes, dizendo que o SIS agiu sem que houvesse na altura qualquer suspeita de estar na presença de um crime. Antes, tínhamos ouvido o primeiro-ministro a dizer que houve um roubo.
Aí realmente tem de se clarificar, mas isso já é uma questão de natureza jurídica. Realmente deixa alguma perplexidade que, ao mais alto nível do governo, se fale de roubo.
Aliás, sem salvaguardar a presunção de inocência.
E depois os serviços venham desmentir dizendo que fizeram uma apreciação e não encontraram qualquer indício da prática de crime.
E quando há uma contradição destas não deveria haver demissões?
Peço-lhe autorização para ser um bocadinho mais conservador. Não me parece que tenha de haver demissões. Têm que ser retiradas consequências do ponto de vista dos processos e do ponto de vista da atuação. É isso que tranquilizará a opinião pública. Aquilo que nós estamos a começar a sentir é que as pessoas começam a perguntar-se: “É possível que o SIS, de repente, me aborde na rua e peça a minha identificação, me detenha? Essa é a dúvida que começa a existir.
Fica a dúvida. E, desde logo, saber nesta altura qual foi a justificação para a atuação do SIS e se existiam documentos classificados naquele computador.
Eu acho que essa dúvida é o que tem de ser esclarecido. Independentemente se as pessoas ficam, se não ficam, a dúvida tem que ser esclarecida. Tem de haver, de quem de direito - e aqui não é forçosamente o SIS, porque acho que o SIS e o SIED se devem resguardar ao máximo - para isso é que existe o secretário-geral do SIRP e, também o Conselho de Fiscalização.
Pois é, mas logo a primeira intervenção que tiveram foi para dizer: “Não, foi tudo normal”. Em quem é que as pessoas vão confiar?
Terão que repensar, também. Eu tenho muito apreço pelo diretor do SIS, e admiração pela circunstância de ter assumido responsabilidades, mas acho que aqui, no fundo, a responsabilidade é do sistema em geral.
Mas se é do sistema em geral, e havendo estas contradições...em última análise não seria responsabilidade do ministro Galamba e do próprio primeiro-ministro?
Bem, o ministro Galamba e o primeiro-ministro eventualmente terão cometido alguma imprecisão na qualificação dos factos quando disseram é que tinha existido um roubo. De resto, não encontro aqui mais nenhuma situação censurável. Existem dúvidas sobre a forma como as coisas se processaram. Mas, na verdade, existiu uma comunicação de eventuais situações, podiam ser danosas para a segurança da República. E, depois, tratou-se dos Serviços atuarem. Na verdade, não vejo que o SIS pudesse...ainda que, com o consentimento da pessoa que tinha a posse do computador. Trata-se de um ato de polícia, é um ato material de policia, é uma apreensão de um equipamento.
Acha que deveria haver uma comissão de inquérito a este caso?
Sinceramente tenho muitas reticências em relação a Comissões de Inquérito que incidam sobre Serviços tão sensíveis como são os Serviços que integram o SIRP, expor demasiado aquilo que é o funcionamento interno dos Serviços de Informações.