Assinalam-se, esta quinta-feira, sete anos da eclosão da guerra civil na Síria. Desde o início do conflito, já morreram mais de 350 mil pessoas, incluindo mais de 100 mil civis e perto de 20 mil crianças.
Milhares e milhares de sírios tentaram fugir à guerra e à morte certa no país. Os que ficam enfrentam uma situação “desumana”, conta Ahmad Khansour à Renascença.
O sírio, de 33 anos, sobrevive com a família em Ghouta Oriental, um enclave com pelo menos três grupos rebeldes ativos, nos subúrbios da capital, Damasco, que tem sido bombardeado quase ininterruptamente desde 18 de fevereiro.
É como “viver no inferno”, relata Ahmad. Em Ghouta, sobrevivem mais de 400 mil pessoas.
Segundo a UNICEF, desde o início do ano já terão sido mortas mais de um milhar de crianças em Ghouta.
Ahmad Khansour vive com a família na cave da sua casa. São quase 40 pessoas, perto de metade crianças.
“Estou encarregue de assegurar os mínimos de comida todos os dias. Nas horas de calma, aproveito esses momentos para sair e tentar encontrar algo que seja bom para comer. Encontrar água, trazer o essencial e voltar para casa”, conta Ahmad.
O sírio e a família tentam fazer o que podem para sobreviver. A comida é escassa, a escolha de alimentos é muito reduzida.
“Neste momento, se for lá fora, a maioria das lojas está fechada. Porque há demasiado medo das bombas e de morrer, ou porque não têm nada para vender”, explica Ahmad.
As lojas que ainda continuam abertas são muito poucas e quando têm alimentos para vender são muito caros.
“O regime pôs uma taxa de 5 dólares para cada quilo de comida. É uma loucura porque as pessoas estão sem mantimentos. Estão a tentar sobreviver”, diz Ahmad.
Em Ghouta Oriental, um quilo arroz custa entre 8 e 10 euros. O acesso a medicamentos e assistência médica é praticamente impossível.
A situação tem vindo a piorar, mas Ahmad Khansour e a família não aceitam que tenham que vir a sair do sítio onde sempre viveram.
“É um pesadelo… Isto é a minha casa, é onde cresci, onde tive o meu primeiro amor, onde casei. O meu filho disse: ‘pai’ pela primeira vez nesta casa. Porque é que eu hei-de sair? Não é justo. É errado, é contra os valores humanos”, desabafa.
Mediação internacional como solução?
O conflito na Síria dura há sete anos e apesar dos cessar-fogo de um mês acordados no Conselho de Segurança das Nações Unidas, os bombardeamentos e as ações militares continuam.
Para Ahmad, a solução tem de vir de fora e passa por “exigir observadores neutros de países neutros.”
E dá um exemplo: “se os portugueses viessem aqui e vissem quem é que está a bombardear quem e quem é que está a atacar os civis, eles podiam implementar o cessar-fogo”, considera. “Se viessem observadores internacionais podíamos solucionar a situação”, reforça o sírio.
Guerra civil e crimes de guerra
O conflito sírio é uma guerra civil e dentro de fronteiras, poucos sabem quem é quem. Para além das forças do presidente Bassar Al-Assad, defrontam-se no terreno pelo menos mais três grupos rebeldes.
A guerra teve início na sequência da Revolta Síria, e no desenrolar dos protestos populares contra o regime de Assad que começaram em janeiro de 2011. Dois meses depois, já em março, as manifestações deram azo a uma revolta armada, que pretende destituir Bassar Al-Assad.
Passados sete anos, o regime tenta manter-se no poder – com o apoio da Rússia - contra as investidas dos vários grupos rebeldes, que incluem o Exército Livre Sírio, o autointitulado Estado Islâmico e a Frente Nusra, afiliada à al-Qaeda.
Ahmad Khansour considera que o regime de Assad justifica os ataques com o argumento de que está “a combater terroristas” para esconder o que está realmente a fazer.
“Não há radicais em Ghouta”, considera Ahmad. “O Exército Livre Sírio não é considerado terrorista por mais nenhum Governo. O regime tem tentado encobrir os seus crimes de guerra dizendo que há terroristas e que está a combater terroristas. Não é o que está a acontecer. É exatamente o contrário”, explica.
Muitas vozes internacionais alertam para o facto de conflito na Síria se estar a tornar numa “câmara de terror” para os civis. O jornal “New York Times” noticiou que a Coreia do Norte forneceu à Síria materiais que podem ser utilizados no fabrico de armas químicas.
E as suspeitas de que o regime de Assad está a utilizar armas químicas contra os civis não param de se acumular, algo que o país sempre desmentiu.
“Desde 2012 até agora a SAMS, que é uma ONG americana que fornece medicamentos na Síria registou 199 ataques químicos só em Ghouta. Este ano já houve nove ataques em Ghouta com armas químicas… só ontem mais de 30 pessoas começaram a sufocar por causa do gás lançado pelo regime de Assad numa cidade a 3 quilómetros daqui. A semana passada três crianças morreram pela inalação de gás bombardeado pelo regime sírio. É um pesadelo”, relata Ahmad.
O conflito não parece ter fim à vista e a Ahmad e à família só resta sobreviver.
“Para viver no inferno, em Ghouta, é preciso adotar rotinas diferentes das que se tem na vida. Há sempre a ameaça de ser morto por um bombardeamento ou por tiros”, conclui.