O PCP não acredita que o regresso de Pedro Nuno Santos à Assembleia da República represente uma maior abertura do PS às propostas dos partidos à esquerda. Em entrevista à Renascença, durante as jornadas parlamentares do PCP, que decorreram nos dias 19 e 20 de junho na Serra da Estrela, o deputado Duarte Alves acredita que será "a pressão das ruas" a condicionar o Governo.
Duarte Alves diz não temer pelo futuro do PCP e que o partido "é insubstituível" apesar das mais recentes sondagens e acredita que o país estava melhor em 2019. "Não discutíamos casos e casinhos, discutíamos manuais escolares gratuitos", argumenta o parlamentar comunista.
O deputado mais novo da bancada comunista no Parlamento (a par de Alma Rivera), que substituiu Jerónimo de Sousa, considera que as greves anunciadas para a semana da JMJ são legítimas e pressiona o Governo a resolvê-las. Sobre a permanência de João Galamba no executivo, Duarte Alves é curto: só se mantém como ministro para privatizar a TAP.
Terminou a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. Deve haver consequências depois do que se ouviu ao longo destes últimos meses?
Parece-me que o PCP marcou a sua posição bem clara ao longo de todos os trabalhos desta comissão de inquérito. Uma posição que se distingue, eu diria, até da generalidade dos outros partidos por procurar sempre falar dos aspetos que nos parecem essenciais neste momento, que é discutir o futuro da TAP, e a questão da privatização que o Governo se prepara para fazer.
Nós, ao olharmos para os trabalhos desta comissão, aquilo que verificamos são as pesadas consequências do anterior processo de privatização e um conjunto de opções de gestão que levaram o Estado a aumentar o capital por falta de comparência dos privados.
Acaba sempre por ser o país a pagar esses problemas e a nossa intervenção marcou-se pela diferença. Por falarmos dos problemas da TAP e por contrariar esta tentativa do Governo de privatização da TAP, e essa para nós é a principal consequência política que sai desta CPI. É uma opção errada que deve ser travada e essa para nós é a principal consequência política.
Uma saída de João Galamba não seria uma solução que vissem com bons olhos?
Às vezes podemos perguntar-nos porque é que o João Galamba ainda é ministro, e a resposta a essa pergunta é que João Galamba tem, como missão, por parte do Governo, a privatização da TAP. É para isso que ele lá está.
Neste momento, mais do que os acontecimentos no Ministério das Infraestruturas, aquilo que consideramos é que é necessário pôr fim a esse processo. Não por seguir com a privatização que o Governo pretende fazer, que põe em causa os interesses nacionais e o futuro da empresa.
Estamos a chegar ao final do da primeira sessão legislativa. Que balanço faz desta maioria absoluta? Tem havido ou não diálogo com os partidos à esquerda?
É um balanço profundamente negativo. Acho que está a ficar claro para que é que esta maioria absoluta serve, essencialmente para permitir a acumulação de lucros por parte de alguns grupos económicos, nomeadamente da banca, do setor da grande distribuição alimentar, do setor energético.
Setores que têm praticamente um monopólio o sobre a economia nacional, e que foram os grandes beneficiários de uma política do Governo que nunca teve a coragem política de enfrentar esses grandes interesses. Colocou sempre os custos da situação internacional que estamos a viver às costas dos trabalhadores e que obviamente tem consequências.
O país está hoje pior do que em 2019?
Creio que o contraste é evidente. Nessa altura, o que é que que o país discutia? Não discutia estes casos e casinhos que temos visto e que o Governo tem promovido. O país discutia aumentos dos salários, das pensões, discutia os manuais gratuitos e a redução do preço dos transportes.
O contraste é evidente. Hoje vê-se claramente que a tal estabilidade política prometida pela maioria absoluta, não é estabilidade política nem na vida das pessoas- que está cada vez pior. Há um agravamento das condições de vida e um aumento dos lucros destes grupos económicos.
Aproximamo-nos do Orçamento do Estado. O que é que o PCP tem como prioridades? Uma redução na carga fiscal?
O PCP considera que o esforço fiscal está muito mal distribuído. Nós temos uma sobrecarga dos impostos sobre o trabalho e sobre o consumo e, ao mesmo tempo, temos os impostos sobre os rendimentos do capital a terem um conjunto de benefícios e alçapões. A taxa de IRC efetiva é de 18%, muito abaixo daquilo que é a tributação de uma grande parte dos rendimentos do trabalho e do consumo.
Baixar o IRS e aumentar o IRC?
Nós teremos a oportunidade de apresentar medidas nesse sentido no Orçamento e até eventualmente antes disso. Uma redução generalizada do IRS através, por exemplo, da atualização da dedução específica. É uma proposta do PCP há muito que vem a manifestar a necessidade de ser atualizada.
Propomos também que, no IVA, haja é a tributação a 6% da energia elétrica e do gás, incluindo gás engarrafado. Repondo a taxa de IVA de 6% é que foi aumentado pelo Governo PSD-CDS, que por enquanto o Governo do PS tem mantido numa taxa de 23%. E também as telecomunicações para os 13%.
Em julho Pedro Nuno Santos volta ao Parlamento. Acha que isso pode traduzir-se numa maior abertura do PS em ouvir as medidas do PCP?
(Sorri) Não, não me parece. Não me parece que é o regresso Pedro Nuno Santos ao Parlamento possa ter esse efeito. O maior efeito que nós podemos ter para poder alterar as políticas da maioria absoluta do PS, é o efeito da pressão que é feita pela mobilização da população, da luta dos professores e da população. É uma movimentação de descontentamento.
Essa pressão das ruas é que pode ser determinante para alterar as posições do Partido Socialista e para permitir que não se vá tão longe nos ataques que têm sido feitos às condições de vida de quem trabalha.
Precisamente sobre a luta nas ruas: daqui a cerca de um mês e meio, haverá Jornada Mundial da Juventude e há muitas classes como os polícias que têm ameaçado greves nessa altura. Como é que olham para essa forma de luta?
Parece-nos que os trabalhadores devem, naturalmente, decidir em cada um dos momentos quais as formas mais adequadas para as suas reivindicações serem ouvidas. Se o Governo está preocupado com essa situação, tem uma solução: resolver esses problemas antes da JMJ.
Ainda falta um mês e meio, o Governo tem de resolver esses problemas das várias classes profissionais que estão envolvidas na preparação desse grande evento.
Compete ao Governo resolver esses problemas para que os trabalhadores não tenham que recorrer a essas formas de luta nesse período. Se o Governo o fizer, seguramente que os trabalhadores corresponderão. A responsabilidade do Governo é responder aos problemas e evitar que se avolumem e não tem sido essa a resposta.
Na semana das jornadas parlamentares do PCP, na freguesia de Gonçalo, ouvimos um militante a assumir que no partido “somos cada vez menos”. Este tipo de frases preocupa-vos?
Eu acho que o senhor que dizer que considerava que devia haver mais pessoas presentes naquela nossa iniciativa, mas esse senhor também agradeceu muito a nossa presença e também disse que o facto de nós estarmos ali e de levarmos ali comunicação social permitiu chamar a atenção para aquele problema [terrenos destruídos pelos incêndios na Serra da Estrela]. Isso, para mim, é o que eu mais retiro daquele encontro com a população.
Tendo em conta o atual momento do partido, não teme de forma nenhuma pelo futuro do PCP?
Não, a nossa perspetiva é uma perspetiva de confiança. O papel do PCP está nas propostas que traz para cima da mesa, como os manuais gratuitos ou o passe social, para a reposição dos direitos que tinham sido retirados.
O papel que o PCP tem no território, seja nas autarquias locais, seja junto das associações, coletividades, sindicatos, esse papel que o PCP tem em todo o território nacional é um papel que é insubstituível e que só nos dá confiança de que temos caminho para andar.
Obviamente, o reforço do PCP é cada vez mais uma necessidade também para a resolução destes problemas que as pessoas enfrentam. No momento atual, de crescentes dificuldades da população perante a política que tem sido seguida por parte do Governo, o PCP tem-se afirmado como uma com as suas propostas de política alternativa - em rutura com as opções que têm sido seguidas quer pelo PS, quer pelos partidos à sua direita.