O Presidente da República mostrou, no fim-de-semana, que não aprendeu nada em 15 meses de pandemia. E, pior, que não aprendeu com o pior momento dos políticos neste tempo: a decisão sobre o Natal.
"Virámos a página, estamos num novo ciclo. Já não voltamos para trás. Não é o problema de saber se pode ser, deve ser ou não. Não vai haver. Comigo não vai haver. Naquilo que depender do Presidente da República, não se volta atrás”, afirmou, Marcelo Rebelo de Sousa, no domingo, em Santarém, numa visita à Feira Nacional de Agricultura.
Já tinha dito, basicamente, o mesmo na véspera em Lisboa. Mas, em Santarém, o Presidente foi ainda mais longe, com um remoque aos especialistas, a quem remeteu a uma função de assustadores.
“É bom que os especialistas digam o que têm a dizer. Agora, o país não é governado pelos especialistas, é governando por quem foi eleito para governar”, disse o Presidente reservando aos especialistas a função de “dizer 'não se esqueçam, não se esqueçam’ e pregar um certo susto”. Um político que diz isto não fez, certamente, o seu exame de consciência do que se passou no Natal e no Ano Novo.
Em princípio, sobretudo devido ao efeito da vacinação, não voltaremos a viver tempos tão difíceis como os que se seguiram, mas, infelizmente, continuamos sem saber o suficiente sobre o vírus e as suas mutações para termos certezas absolutas sobre a necessidade de recuar ou não. Desta vez, foi Marcelo o otimista irritante, enquanto a António Costa coube o papel de dizer o óbvio: ninguém pode ter certezas.
Há um ano, tínhamos menos infetados diários, mas mais mortos, pois ainda não havia vacinas, e estávamos a começar a abrir centros comerciais. Lisboa e Vale do Tejo dava razões de preocupação, tal como agora, mas era, então, mais localizada essa preocupação. Agora, é mais difusa a contaminação: há 170 surtos e seis mil – sim, seis mil – alunos em isolamento profilático.
Agora temos menos cuidado, mais cansaço, muito mais cansaço e uma manifesta incapacidade de apreender o que devíamos ter aprendido. E temos menos informação ou mais dificuldade em consegui-la. Nunca pensei escrever isto, mas sinto muito a falta das conferências de imprensa da DGS, mesmo a ter de fazer perguntas por zoom. Então, podíamos desesperar pela falta de resposta a perguntas e a e-mails, mas sabíamos que havia de chegar a nossa vez de fazer a pergunta, todas as perguntas que conseguíssemos colocar numa só. Agora, temos boletins um bocadinho melhores, mas a Direção-Geral de Saúde não existe no espaço público. Não dá recomendações, não dá respostas, não dá explicações.
A inexistência vai ao ponto de ainda não ter conseguido publicar orientações que foram anunciadas num Conselho de Ministros de há cinco dias. Nem quando o Governo manda, a DGS faz com rapidez, nem com a urgência que as situações exigem. Tem sido assim ao longo destes meses. Foi assim com divulgações de dados, que o Governo teve de obrigar por decreto-lei, foi assim com normas de testagem e com o alargamento de rastreios.
O último Conselho de Ministros foi quase nada e ameaça ser um imenso nada se a DGS não der seguimento ao que foi anunciado. Já se percebeu, pela decisão de Sesimbra, que as decisões tomadas sobre os concelhos que paravam no desconfinamento foram tomadas com dados já ultrapassados. Já se percebeu, pela experiência de Lisboa onde os testes gratuitos não estão a ser tão usados quanto deviam, que é preciso obrigar à testagem. Já se percebeu que a vacinação está a virar a cabeça das pessoas e a levá-las a sentirem-se à vontade e a acharem que já nada lhes pode acontecer.
Também já se sabe, contudo, que Lisboa caminha para os limites máximos definidos pelo Governo para recuar. E que os concelhos à volta também estão em ritmo crescente. E que a variante Delta já tem transmissão comunitária, a mesma variante que fez o Reino Unido, tão adiantado na vacinação, adiar um mês o desconfinamento porque tem zonas onde o contágio está a duplicar.
Que sentido faz fechar os restaurantes do centro da capital às 22h30 se, já ali, em Algés ou um bocadinho mais além, em Cascais, é possível ficar até à 1h da madrugada? Que sentido faz ter teletrabalho obrigatório em Lisboa, mas não para quem vive em Lisboa e trabalha noutro concelho? Que sentido faz esperar duas semanas para tomar medidas? Que sentido faz continuar a anunciar decisões à quarta ou à quinta quando há novos dados por concelhos à sexta?
Com um Presidente desconfinado de regresso às 'selfies' e aos abraços e a dar exemplos como os que deu no Funchal, com uma autoridade sanitária ausente e tão pouco competente que ainda nem conseguiu tratar os dados dos eventos-teste realizados em abril e maio, com um Governo livre de prestações de contas quinzenais no Parlamento como esteve durante os estados de emergência, estamos entregues a nós próprios e à responsabilidade pessoal. E, infelizmente, já percebemos que pode não correr bem.