Mais de uma dezena de youtubers portugueses têm promovido sites de apostas ilegais, como noticiou esta terça-feira a Renascença, o que tem motivado discussão nacional em torno do jogo online. Num debate esta sexta-feira, na antena da Renascença, o psicólogo Pedro Hubert pôs o dedo na ferida.
"Não há resposta eficaz para o problema do jogo em Portugal", afirmou o clínico, que é especialista em adição do jogo e coordenador do Instituto de Apoio ao Jogador, que coordena esforços em todas as áreas que digam respeito ao jogo abusivo e patológico, com destaque para o tratamento, prevenção, formação e investigação.
Noutro plano, o advogado João Alfredo Afonso, especialista em jogo online, considerou que “não há falta de regulação” – o crime em causa é punível, segundo a lei portuguesa, com penas até cinco anos de prisão – mas eventualmente “falta de supervisão destas condutas”.
“Se houver mais meios para supervisionar com certeza há alguma coisa que se possa fazer. Não digo que tenha de se fazer uma legislação ou código de boas práticas para youtubers, mas há muitas coisas que se podem fazer”, acrescentou Pedro Hubert.
A Renascença tem continuado a tentar obter uma reação por parte dos youtubers visados, bem como dos agentes que os representam. Até ao momento, ainda nenhuma destas pessoas mostrou disponibilidade para prestar declarações.
Estado não pode resolver tudo
Na sequência da denúncia da Renascença acerca da legalidade dos vídeos, o Youtube decidiu bloquear grande parte deles. Na opinião de João Alfredo Afonso, há um papel que cabe ao Estado, mas também à sociedade civil e aos pais, na denúncia e preparação para estas situações.
“Os legisladores têm de estar mais atentos, têm de estar mais sensibilizados e ter uma supervisão mais ativa e pró-ativa. Agora, estamos a falar de crianças. Parte da formação das crianças depende dos pais e acho que o Estado também não pode ser responsabilizado por tudo", demarcou.
Pedro Hubert sugere um acompanhamento dos pais e/ou tutores durante o tempo passado em frente aos ecrãs pelas crianças.
“É um problema que pode ser muito sério no futuro, se não houver uma tomada de consciência. É numa idade a partir dos 10 ou 12 anos que se começa a formar a personalidade e as estratégias de relação com os outros, e é com isto que se vai ficar para a vida. Se o jovem começa nesta idade, em que é particularmente influenciável, a acreditar que há maneiras de ganhar dinheiro fácil, numa sociedade já muito rápida, imediata e intolerante à frustração... Se ele pensar que ser youtuber é fácil e que pode ganhar ainda mais a jogar, a apostar, estamos a prestar um serviço muito mau ao futuro”, sublinhou.
Proibir o visionamento dos conteúdos “não é a solução”, mas sim “acompanhar e mostrar”, avisa o psicólogo. “Mais do que ver continuadamente determinados conteúdos o perigo é que os vejam sozinhos e façam uma construção da realidade sem ter alguém adulto a explicar”, ressalva.
Para João Alfredo Afonso, é “evidente” que esse acompanhamento em direto em frente ao monitor é “impossível”. “O trabalho tem de ser prévio, de preparação das crianças, para quando se virem sozinhas poderem fazer a triagem entre o trigo e o joio”, explicou.
Em relação à culpabilidade dos youtubers, ambos os intervenientes no debate julgam ser muito provável o desconhecimento dos mesmos de que estarão a violar a lei. “Não acredito que o estejam a fazer de forma dolosa”, reconheceu o advogado João Alfredo Afonso.