“Os economistas não escrevem livros, muito menos livros que seres humanos consigam ler.”
A frase é de Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo, vencedores do Prémio Nobel da Economia em 2019, no arranque do seu novo livro, “Boa Economia Para Tempos Difíceis”. Mas a julgar pelas páginas que se seguem, não podia estar mais errada.
Os dois norte-americanos -- ele de origem indiana, ela de origem francesa -- são peritos em tornar a economia acessível a qualquer um. Agora, debruçam-se sobre todos os pontos onde a economia tem falhado, denunciando problemas sem atalhos, mostrando, ao mesmo tempo, “por que motivo é útil fazer boa economia, especialmente no mundo de hoje”.
Depois de ganharem o Nobel com o trabalho desenvolvido na luta contra a pobreza global, Banerjee e Duflo decidiram concentrar-se no extremo oposto: na riqueza.
Neste livro, editado pela Actual, analisam a desigualdade e as divisões políticas, partindo dos debates na linha da frente dos países ricos. Todos os grandes temas fraturantes estão incluídos neste trabalho: imigração e iniquidade, globalização e disrupção tecnológica, crescimento lento e aceleração das mudanças climáticas, desafios aos quais se veio agora juntar a pandemia de Covid-19.
Estes são os chamados problemas de larga escala para os quais, tradicionalmente, os economistas seriam chamados a dar respostas. Mas com o tempo, a profissão tem perdido protagonismo, ou a população tem perdido a fé na ciência económica, sobretudo após a crise do subprime de 2008. Ainda assim, Banerjee e Duflo abraçam o desafio com um novo olhar sobre a realidade, analisando cada um dos problemas.
“A dignidade humana como questão central”
Um dos primeiros muros que tentam derrubar é a noção de riqueza ou rendimentos.
“Os economistas têm tendência para adotar uma noção de bem-estar que é muitas vezes demasiado redutora, focada nos rendimentos ou no consumo, dependendo da versão. Contudo, todos precisamos de muito mais para ter uma vida gratificante: o respeito da comunidade, o conforto da família e dos amigos, dignidade, tranquilidade, prazer”, escrevem.
Este foco dos economistas nos rendimentos “é mais do que um atalho conveniente”, defendem os autores. “É uma perspetiva distorcida que conduziu muitas vezes os economistas mais inteligentes pelo caminho errado, os decisores políticos para decisões erradas e demasiados de nós para obsessões erradas.
É o que "nos convence de que o mundo inteiro está à espreita para nos tirar os nossos empregos bem pagos”, faz as nações ocidentais insistir na restituição do “passado glorioso de crescimento rápido”, nos faz desconfiar de quem não tem dinheiro e ficar aterrorizados com a ideia de ficar sem nada e “faz parecer tão difícil o equilíbrio entre o crescimento da economia e a sobrevivência do planeta”, acrescentam.
Tornar a economia grande outra vez, o título do primeiro capítulo, num trocadilho com o slogan da campanha presidencial de Donald Trump em 2016, é “voltar a colocar a dignidade humana como questão central”, para assim “repensar as prioridades económicas e as formas como as sociedades cuidam dos seus membros, nomeadamente quando estão em dificuldades”.
“As melhores respostas para os maiores problemas”
Em cada página, em cada capítulo, Banerjee e Duflo peneiram os problemas reais pela rede da ciência económica, reconhecem onde ela errou e onde não consegue dar respostas. No subtítulo prometem “As melhores respostas para os maiores problemas” e não desiludem.
Um dos casos apresentados é a situação dos trabalhadores que são alvo de despedimentos coletivos, as vítimas da chamada guerra comercial entre os EUA e a China -- vítimas do comércio global, que no fundo se replicam pelo mundo.
Os autores analisam a origem do problema e as consequências, quem beneficia e quais são os trabalhadores e setores mais afetados. Neste exemplo em concreto, “a economia norte-americana ficará bem” (boas notícias para Trump?), mas “centenas de milhares de pessoas não”. Quem são estas pessoas e qual a melhor solução para elas, é essa a resposta que interessa.
Analisadas várias opções, os dois economistas concluem que a atribuição de subsídios às empresas mais afetadas é a melhor resposta, desde que mantenham os trabalhadores mais velhos (acima dos 55 anos). Estes são o grupo crítico, aqueles que terão mais dificuldade em voltar a trabalhar após um despedimento coletivo.
Esta é “a história de muitos locais no mundo desenvolvido”, onde as empresas se deslocalizam mas nem sempre “os trabalhadores que perdem o emprego se podem dar ao luxo de mudar”. E o que fica não augura nada de bom.
“À medida que os bons empregos desaparecem e a economia local entra em queda, o horizonte de escolhas mostra-se cada vez mais lúgubre e a raiva cresce”, destacam Duflo e Banerjee. Segundo os economistas, “este foi o mundo que produziu Donald Trump, Jair Bolsonaro e o Brexit, e que irá produzir muitos mais desastres se não fizermos nada para o impedir”.
Os autores analisam ainda respostas para o problema das migrações, da desigualdade ou da catástrofe climática. Sempre com um objetivo: o de “enfatizar que não existem leis de ferro na economia que evitem a construção de um mundo mais humano e compassivo”.
Aos críticos e céticos deixam uma chamada de atenção: “A boa economia por si só não nos pode salvar. No entanto, sem ela estamos condenados a repetir os erros do passado”. Um alerta para todos, até porque “a economia é demasiado importante para ser um tema exclusivo dos economistas”.
Esther Duflo é professora no Departamento de Economia do MIT e cofundadora e directora do Laboratório de Ação contra a Pobreza Abdul Latif Jaameel (J-PAL). Em 2009, recebeu uma bolsa MacArthur de “génio” e em 2010 recebeu a medalha John Bates Clark, para o melhor economista americano com menos de 40 anos e o prémio inaugural Calvo-Armengol International.
Abhijit Vinayak Banerjee estudou na universidade Jawaharlal Nehru, em Calcutá, e em Harvard. É professor de Economia da Ford Foundation, no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Foi presidente do Bureau for Research in the Economic Analysis of Development, e é membro da American Academy of Arts and Sciences, da Econometric Society e das fundações Guggenheim e Alfred P. Sloan. Entre os vários prémios que recebeu consta também o Infosys Prize em 2009.