​Marine Le Pen. A fã de tiro ao alvo que apontou (e falhou) a Presidência de França
19-04-2017 - 15:58
 • Carlos Calaveiras (texto), Conceição Sampaio e Teresa Abecasis (vídeo)

Candidatou-se à presidência “para tornar a França mais forte, devolver a liberdade e dar voz ao povo", contra a globalização económica e o fundamentalismo islâmico. Foi advogada durante seis anos e chegou a representar pobres e imigrantes ilegais. A Renascença recupera o perfil de Marine Le Pen, publicado originalmente a 19 de Abril, durante a campanha eleitoral.

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Quando chegou à liderança da Frente Nacional, em 2011, poucos acreditaram que, seis anos depois, a filha de Jean-Marie Le Pen poderia cumprir o sonho do pai: levar a extrema-direita ao poder. Nas presidenciais, Marine Le Pen teve a oportunidade de fazer história e chegar à chefia dos destinos do país ou, pelo menos, obter o melhor resultado de sempre da Frente Nacional em eleições deste tipo.

A Europa está em suspenso. “Seria o fim”, já disse Wolfgang Schäuble, o influente ministro alemão das Finanças.

Aos 48 anos, Marion Anne Perrine Le Pen concorreu pela segunda vez às eleições presidenciais francesas e tentou chegar onde o pai nunca chegou: à vitória.

Extrema-direita "light"?

Na liderança do partido desde Janeiro de 2011, a presidente da Frente Nacional iniciou o processo de “desdiabolização”. O pai, fundador do partido, foi afastado por ser considerado “radical”, juntamente com vários elementos que tinham discursos de ódio, xenófobos e racistas, incluindo de apoio ao nazismo.

Apesar da suavização do discurso, as propostas são radicalmente diferentes da linha que a França tem seguido.

Marine defende uma quota limite de 10 mil entradas para imigrantes legais no país, a expulsão automática para “criminosos” estrangeiros, regras mais apertadas para a atribuição da nacionalidade francesa, fim da dupla nacionalidade com países não europeus e da nacionalidade automática por nascimento. Mas também passará a ser proibido usar hijab e burqa em locais públicos e serão dissolvidas todas as organizações, incluindo mesquitas, ligadas ao fundamentalismo islâmico.

Neste quadro, a líder da FN quer reforçar a defesa nacional e as fronteiras, instaurar a prisão perpétua (chegou a admitir a pena de morte, mas recuou), contratar 15 mil policiais e construir novas prisões.

Entre as primeiras medidas, caso seja eleita Presidente, Marine Le Pen quer sair do comando integrado da NATO, do espaço Schengen, do euro e referendar a saída da União Europeia (UE). “Seis meses após a minha eleição, organizarei um referendo sobre a saída da UE. Se obtiver ganhos na negociação, vou sugerir aos franceses que fiquemos na UE. Se não, aconselhá-los-ei a sair”, disse ao jornal “Le Monde”.

Já em plena campanha foi ainda mais concreta. Num comício em Lille, a 26 de Março, Marine Le Pen afirmou que se for eleita Presidente da França a União Europeia “vai morrer“. E explicou porquê: “as pessoas já não a querem“.

Prioridade aos franceses

Outra prioridade da presidente da FN é mudar a Constituição francesa para oficializar a “prioridade nacional”: seja qual for o assunto, entre um francês e um estrangeiro escolha-se o primeiro.

“É preciso mudar de plano económico. Há três medidas essenciais: patriotismo económico, proteccionismo inteligente e taxação de todos os produtos importados que possam ser produzidos em França. As empresas serão incentivadas, fiscalmente, a contratar prioritariamente trabalhadores franceses. As pequenas e médias empresas que criem emprego serão massivamente apoiadas”, lê-se no “site” oficial de candidatura.

O plano económico inclui ainda a diminuição da idade de reforma para os 60 anos (desde que cumpridos 40 anos de contribuições), o aumento dos benefícios sociais (nomeadamente um subsídio de 80 euros para aumentar o poder de compra “a todos os que ganharem salários baixos e reformas de menos de 1.500 euros líquidos”), a baixa de impostos locais e também do gás e da electricidade.

No manifesto de 144 páginas está também o desejo de alargar a força dos referendos, reduzir o número de deputados de 577 para 300 e no Senado de 348 para 200 e dar um "prémio de governabilidade" de 30% ao partido que tiver a maioria.

A educação gratuita passará a ser exclusiva para cidadãos franceses. "Acabou a brincadeira", disse à Rádio France Internacional. "A solidariedade nacional deve existir para os franceses. Não tenho nada contra estrangeiros, mas digo-lhes: se vierem ao nosso país, não esperem que os seus filhos sejam educados gratuitamente. Acabou o recreio", declarou a candidata durante um encontro no Instituto de Pesquisa BVA.

Marine acrescentou que é preciso acabar com a gratuitidade na escola para "os filhos dos imigrantes ilegais" porque o país “não tem capacidade para financiar a escolaridade gratuita para todos”.

Na política desde pequena

Marine Le Pen sempre viveu rodeada de política e políticos. Aos sete anos estava em casa com a família quando o pai foi alvo de um atentado à bomba durante a noite.

Aos 18 anos inscreveu-se na Frente Nacional e, mais tarde, antes de assumir a liderança do partido de extrema-direita, exerceu advocacia durante seis anos e representou pobres e imigrantes ilegais. Um dos seus passatempos favoritos é tiro ao alvo e já revelou que, se não estivesse na vida política, seria fotógrafa.

Tem duas irmãs, três filhos e está casada pela terceira vez. Uma sobrinha, Marion, já está na vida política e é deputada no Parlamento, também nas listas da Frente Nacional.

Segundo um estudo do Centro de Investigação Política do Instituto Superior Sciences Po, 82% dos eleitores que votaram em Le Pen em 2012 estão prontos a votar nela novamente em 2017.

Marine é também a preferida entre os jovens que votam pela primeira vez. A candidata da extrema-direita é igualmente popular entre os jovens com raízes na imigração, sobretudo os luso-descendentes. Um estudo mostra que 50% dos jovens luso-descendentes admitem votar em Marine Le Pen. Em Março, numa reportagem em Paris, a Renascença encontrou vários portugueses com simpatia por Marine Le Pen.

A Frente Nacional, que já ganhou as eleições europeias de 2014, continua a correr sozinha: é um contra todos e esse é o seu “calcanhar de Aquiles” para a decisiva segunda volta de 7 de Maio.

O voto de um em cada quatro franceses não chega para chegar ao Eliseu. A dúvida é saber se consegue, por um lado, fragmentar a direita e, por outro, ir conquistar votos aos descontentes de extrema-esquerda ou aos excluídos da sociedade.

Na corrida ao cadeirão no Palácio do Eliseu bateram-se11 candidatos. A líder da FN não expressou dúvidas na hora de se afirmar: “Esta eleição presidencial apresenta duas propostas opostas: a escolha 'globalista' defendida por todos os meus adversários e a escolha 'patriótica' que eu personifico.”

[Artigo publicado originalmente a 19 de Abril e recuperado e editado a 7 de Maio, depois de conhecida a derrota de Marine Le Pen]