Nos últimos cinco anos, o governo construiu apenas 300 dos 4.700 quilómetros de ciclovias que previa construir até ao final de 2023.
Os dados são da Federação Europeia de Ciclistas (FEC) que regista haver em Portugal um total de 2.358 quilómetros de vias cicláveis - que inclui vias partilhadas com autocarros e estradas com acesso limitado a veículos motorizados, numa altura em que decorre a semana europeia da mobilidade.
Contactado pela Renascença, o secretário de Estado da Mobilidade Urbana, Jorge Delgado, não confirma os números e defende que o mais importante da estratégia nacional para a mobilidade ativa não se resume ao aumento de ciclovias.
"A principal preocupação, na Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa não está no número de quilómetros de ciclovias existentes. É fazer da mobilidade ativa, seja pedonal, seja a ciclável, uma mobilidade que seja efetivamente complementar àquilo que é a espinha dorsal do sistema de transportes de mobilidade que são os transportes públicos. E isto, em muitas circunstâncias, tem mais a ver com regulamentação, com sensibilização e com educação", justifica.
Consultando o documento da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável 2020-2030 (ENMAC), a intermodalidade - pontos de conectividade entre diferentes meios de transporte público e a bicicleta - consta como um dos eixos principais de intervenção estratégica.
O governo pretende articular com os operadores de transporte público o aumento da disponibilidade para o transporte de bicicletas em comboios e autocarros e aumentar a disponibilidade para parqueamento de bicicletas nas estações e locais de potencial interesse.
A ENMAC foi aprovada em 2019, numa resolução do Conselho de Ministros. Em julho deste ano, foi apresentada a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal 2030. O objetivo do governo é complementar as duas estratégias numa Estratégia Nacional de Mobilidade Ativa (ENMA) até 2030.
A Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta (MUBi) não está de acordo com a perspetiva avançada pelo secretário de Estado. À Renascença, a presidente da MUBi, Vera Diogo, considera fundamental investir em infraestruturas para dar condições aos utilizadores. Adianta ainda que há pessoas a desistir da mobilidade em bicicleta por falta de segurança.
"É importante que o espaço físico convide as pessoas a mudar. Convide, e não só. Há muitas pessoas que querem fazê-lo - e começam a fazê-lo, mas desistem de continuar porque não sentem essa segurança. Portanto, essa questão das medidas físicas, como mudar o desenho do espaço público e o acesso condicionado a determinadas partes do espaço urbano por automóveis, também me parece fundamental", argumenta.
A Presidente da MUBi diz ainda que falta vontade política para incentivar o uso da bicicleta.
"Está a faltar vontade política, capacidade de concretização e efetiva determinação. Mesmo em relação aos recursos humanos [disponibilizados diretamente para a ENMAC], se o Estado entende que uma estratégia como esta, que é tão urgente e necessária e à qual colocaram metas ambiciosas - como devem ser - não se percebe que não considere mais despesa pública para contratar mais gente para trabalhar nesta estratégia. Portanto, há aqui uma discrepância entre o que está definido no papel - e o discurso oficial - e aquilo que se está a executar", critica.
Portugal é o país da União Europeia que menos investimento per capita destinou, à execução da ENMAC, até ao momento. A FEC avaliou, em 2022, as estratégias dos países para a mobilidade ciclável e adiantou que os países investiram, em média, 15€ a 20€ por cada residente, para a implementação das suas estratégias. Portugal investiu 0,30€ por cada residente para tentar cumprir as suas metas. É um milhão de euros por ano.
O secretário de Estado Jorge Delgado não adianta a verba a inscrever no Orçamento do Estado para 2024, mas alerta que o valor induz em erro. O governante dedicado à mobilidade urbana esclarece que há diversas fontes de financiamento e investimentos do governo que não estão inscritas na ENMAC mas ajudam a cumprir os seus objetivos.
Jorge Delgado atira também responsabilidades aos municípios e à necessidade de coordenação interministerial para justificar as dificuldades de execução da estratégia.
"Não é fácil desenvolver estas estratégias quando temos um envolvimento muito grande de entidades diferentes. São muitas áreas governamentais que, por sua vez, têm como pontos focais as entidades públicas que estão sob tutela dessas áreas. Do ponto de vista da construção de ciclovias, nós estamos muito dependentes daquilo que é a capacidade dos próprios municípios desenvolverem estes projetos. E nós já tivemos situações onde, com muito boa vontade dos municípios, a capacidade de desenvolvimento destes projetos não anda à velocidade que os próprios municípios conseguem implementar", explica.
Países com maior extensão de vias cicláveis em relação às estradas para automóveis têm mais gente a andar de bicicleta
Portugal tem a segunda quota modal em bicicleta mais baixa da União Europeia. Segundo os censos de 2021, 0,6% dos portugueses usava a bicicleta. Em 2011 eram 0,5%.
Dados do Eurobarómetro indicam que os países nórdicos são aqueles em que a população mais escolhe a bicicleta como principal meio de transporte diário. Ao comparar esses dados com o rácio de extensão da rede de vias cicláveis com a rede de vias rodoviárias, encontra-se uma tendência. Os países com infraestruturas para circulação em bicicleta mais extensas são, com raras exceções, aqueles em que a escolha da bicicleta como meio de transporte tem mais impacto.
Sem dados para a quota modal em bicicleta do Lichenstein, o Luxemburgo é a exceção à regra e, apesar de ser o terceiro país com mais vias para bicicletas em razão da extensão de estradas, apenas 2% dos residentes afirma ter a bicicleta como meio de transporte principal.
Além dos Países Baixos, cujos dados confirmam a fama e registam 41% dos residentes a utilizar a bicicleta como meio de transporte habitual - e um rácio de 26,7% - Bélgica, Alemanha e Dinamarca acumulam os melhores rácios de vias para bicicletas em razão das estradas para automóveis e as maiores percentagens de utilizadores habituais de bicicletas. Apresentam um rácio que varia entre os 16% e os 20% de vias cicláveis em razão das vias rodoviárias e uma percentagem de utilizadores principais da bicicleta que vai dos 12% aos 15%.
Estes números são muito superiores aos que apresenta Portugal. O país regista um dos piores rácios - 1,4%, o que significa que tem muito mais soluções para automóveis do que para bicicletas. A percentagem de utilizadores habituais da bicicleta residentes em Portugal é a segunda mais baixa da União Europeia. Mais baixo que Portugal, surge Malta. Nos últimos 10 anos, só 0,1% dos residentes em Portugal passou a escolher a bicicleta como meio principal de transporte, o que sugere alguma timidez nos efeitos da implementação da ENMAC.
A semana europeia da mobilidade teve início no passado sábado e termina esta sexta-feira. O objetivo é incentivar à importância de utilizar a bicicleta como meio de transporte mais saudável para as pessoas e para o planeta.