O deputado socialista Augusto Santos Silva foi eleito presidente da Assembleia da República nesta terça-feira, com 156 votos a favor, 63 brancos e 11 nulos.
Na primeira sessão plenária da XV legislatura, o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros foi o candidato único ao cargo, tendo sido indicado pelo Partido Socialista (PS).
O regimento da Assembleia da República determina que o presidente do Parlamento, a segunda figura do Estado, seja eleito na primeira reunião plenária da legislatura por maioria absoluta dos votos dos deputados em efetividade de funções.
Numa sessão com algumas contingências, a votação chegou a estar suspensa por minutos, devido a problemas com a lista de deputados, que estava desatualizada.
No discurso que se seguiu à eleição, Santos Silva lembrou que Portugal tem já mais tempo de democracia do que de Estado Novo e prometeu uma presidência imparcial, contida e aglutinadora.
Sublinhou ainda que não haverá espaço para discursos de ódio.
Augusto Santos Silva sucede a Ferro Rodrigues, também do PS, no cargo.
A vice-presidência da Assembleia da República vai a votos na quarta-feira.
Patriotismo vs nacionalismo
“O patriota, porque ama a sua pátria, enaltece o amor dos outros pelas pátrias respetivas e percebe que só na pluralidade das pátrias floresce verdadeiramente a sua. O nacionalista, porém, odeia a pátria dos outros, quer fechar a sua ao contacto com as demais, discrimina quem é diferente e, em vez de hospitalidade, promete ostracismo", defendeu Augusto Santos Silva nesta terça-feira no primeiro discurso após a eleição.
O recém-eleito presidente da Assembleia da República advertiu que “o patriotismo só medra no combate ao nacionalismo”, que apenas promete ostracismo e discrimina o que é diferente.
Numa intervenção que levantou a bancada socialista e foi aplaudida em vários momentos por deputados do PSD, do Bloco de Esquerda e do PCP – e em que nunca se referiu diretamente ao Chega – Santos Silva alertou para os perigos do "vírus" do populismo e pediu à maioria dos parlamentares que não concedam a essa corrente extremista maior relevância do que aquela que o povo português lhe atribuiu nas últimas eleições legislativas.
A nova segunda figura do Estado invocou ainda a "incrível força" da língua portuguesa, "de tantas pátrias", para se perceber de forma profunda que "o bom requisito para se ser patriota é não ser nacionalista".
"Isto é, não ter medo de abrir fronteiras, de integrar migrantes, de acolher refugiados, de praticar o comércio e as trocas culturais", completou, recebendo então uma prolongada salva de palmas.
Precisamos de um ponto de interrogação
A língua portuguesa evoluiu "em encontros, em descobertas, em miscigenações", porque é uma língua "que indaga, imagina e em que, portanto, soam postiças as frases que atiram pedras em vez de argumentos e que cegam em vez de iluminarem", defendeu.
"O sinal de pontuação que a democracia mais precisa é o ponto de interrogação. O sinal que mais dispensa é o ponto de exclamação, o qual a democracia deve usar com grande parcimónia. Deixemos as certezas aos néscios e cultivemos sem temor a nossa capacidade de questionar e inquirir, porque a interrogação sacode os preconceitos, abre caminhos, convida a ouvir as várias respostas, trava o passo ao dogmatismo e à intolerância", declarou.
Ideias sim, mas sem gritos
Neste contexto, deixou um recado: "Todas as ideias podem ser trazidas, mesmo aquelas que contestam a democracia, porque essa é a mais óbvia vantagem da democracia sobre a ditadura".
"As ideias próprias não precisam de ser gritadas, porque a qualidade dos argumentos não se mede em decibéis. O único discurso sem lugar, aqui [no Parlamento], é o discurso do ódio, o discurso de negar a dignidade humana seja a quem for, o discurso que insulta o outro só porque o outro é diferente, o discurso que incitar à violência e à perseguição", disse, antes de rematar e de receber nova prolongada salva de palmas.
"A liberdade e a igualdade custaram demasiado para que a agora pudéssemos aceitar regredir para novos tempos de barbárie", acrescentou.
Augusto Santos Silva defendeu que a Assembleia da República é "por excelência o espaço da representação da nação em toda a sua diversidade e pluralidade de ideias e opiniões, para além das funções matriciais de produção legislativa, de fiscalização e escrutínio do Governo e da administração".
"É o verdadeiro centro do debate político", concluiu, antes de alertar para a necessidade de cumprimento de duas regras que considerou elementares: O respeito por todos os mandatos que resultam da livre expressão do voto dos portugueses, quaisquer que sejam as suas propostas programáticas; e o respeito pela vontade popular, tal como ela se materializa na soma agregadas dos votos individuais e se exprime na dimensão dos grupos parlamentares.
Neste contexto, advertiu também que os direitos de cada deputado "não podem servir de pretexto para imporem a distorção ou desrespeito pelas maiorias que o povo soberanamente constituiu".
"Estes tempos difíceis, complexos, são tempos propícios a toda a espécie de manipulações, de preconceitos e de messianismos, tempos em que pode prosperar o populismo com as simplificações abusivas, as exclusões sumárias, a negação do pluralismo e da diversidade, a estigmatização dos vulneráveis, a culpabilização das vítimas e a substituição do debate pelo insulto", apontou.
O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros considerou que a sociedade portuguesa "não está imune a esse vírus e transmitiu então um recado à maioria dos deputados: "A melhor maneira de combater esse vírus é não lhe conceder mais relevância do que aquela que o povo português lhe quis atribuir".
"É opor à violência excludente a firme serenidade de quem sabe ter o apoio das pessoas e o conforto da razão", sustentou.