A retirada russa de Kherson confere à Ucrânia um relevante triunfo militar a que se soma ainda uma ainda maior dimensão política. Mais do que nunca, os soldados ucranianos provaram que – com as armas adequadas – não apenas podem travar o invasor russo como também obrigam o inimigo a retroceder.
Este movimento no campo de batalha, inevitavelmente, vai ampliar a confiança do governo de Kiev nas suas capacidades de expulsar o exército russo, mas pode desincentivar a procura de um cessar-fogo.
“Resulta claro porque é que a Rússia necessita de negociações e de congelar a guerra, mas porque é que a Ucrânia precisa do mesmo? Continuamos a libertar os nossos territórios”, ‘tuítou’ Mijailo Podolyak, assessor do presidente Volodimir Zelenski, fazendo com que os analistas antecipem novo pedido de Kiev aos aliados ocidentais: mais armamento para consolidar excelentes resultados no terreno.
A Rússia, por seu turno, encaixa o maior golpe para a credibilidade do seu exército desde o início do conflito, a derrota de maior carga simbólica depois da série de reveses sofridas noutras frentes de guerra colocando à vista de todos as enormes fragilidades dos soldados de Putin.
Ainda há um mês o autocrata do Kremlin anunciava com toda a pompa que as quatro províncias ucranianas sob ocupação, total ou parcialmente – Zaporijiia, Donetsk, Lugansk e Kherson – haviam sido anexadas, fazendo agora com que até a lógica da dissuasão nuclear russa seja questionada. Se, de acordo com a doutrina militar de Putin, uma agressão convencional contra a integridade territorial da Federação é passível de ser respondida com armas nucleares, então isso é algo que, felizmente, não se produziu.
No plano militar o avanço ucraniano em Kherson tem uma tradução imediata: com posições na margem direita do rio Dniepre, os soldados de Kiev terão dentro do seu campo de tiro as estradas do istmo a unir as linhas russas com a península da Crimeia, em mãos do Kremlin desde 2014 e considerada uma fortaleza militar. Já a Rússia poderá consolidar posições defensivas na margem esquerda de um rio caudaloso, dizem os estrategas militares, uma defesa natural face a um inimigo que avança.
O simbolismo extremo das imagens felizes das cidades libertadas na província de Kherson e a sua importância no conflito é um dos temas em análise neste espaço onde se olhará também para as eleições intercalares nos Estados Unidos e, na agenda doméstica, o conjunto de casos que colocam o primeiro-ministro no centro das críticas, o novo líder comunista Paulo Raimundo e o Mundial do Qatar.
As opiniões são do jornalista José Alberto Lemos, de Nuno Botelho, líder da ACP Câmara de Comércio e Indústria e de Manuel Carvalho da Silva, professor do CES.