O Papa Francisco apresentou-se esta sexta-feira aos sudaneses como “peregrino da reconciliação”. Ao discursar no Palácio Presidencial, em Juba, acompanhado pelo arcebispo de Cantuária e pelo representante da Igreja da Escócia, começou por deixar um forte apelo ao empenho de todos no processo de paz.
“Empreendemos esta peregrinação ecuménica de paz depois de ter escutado o clamor dum povo inteiro que, com grande dignidade, chora pela violência que padece, pela perene falta de segurança, pela pobreza que o aflige e pelos desastres naturais que assolam. Estes anos de guerras e conflitos parecem não ter fim”, afirmou, pedindo “que a paciência e os sacrifícios do povo sul-sudanês, desta gente jovem, humilde e corajosa, interpelem a todos e, como sementes que, enterradas, dão vida à planta, vejam desabrochar rebentos de paz que produzam fruto”.
Ao presidente e membros do governo, que o escutavam, o Papa lembrou que são “os pais e mães deste país menino”, que não precisa de “patrões”, mas de “passos firmes de desenvolvimento”, considerando que chegou a hora de acabar com a violência e a destruição, “para que esta terra não se reduza a um cemitério, mas volte a ser um jardim florido”.
“Em nome de Deus, em Quem tanta gente acredita, é hora de dizer basta… sem ‘ses’ nem ‘mas’: basta de sangue derramado, basta de conflitos, basta de violências e recíprocas acusações sobre quem as comete, basta de deixar à míngua de paz este povo dela sedento. Basta de destruição, é a hora de construir”, sublinhou, desafiando quem governa a pôr-se “ao serviço do bem comum”.
Francisco lembrou que “a democracia pressupõe o respeito dos direitos humanos” e que é preciso que os sudaneses ultrapassem as “águas insalubres do ódio, do tribalismo, do regionalismo e das diferenças étnicas” e “caminhar como um único povo”, porque, tal como acontece no rio Nilo, “os vários afluentes trazem riqueza”. Para o Papa “é tempo de passar das palavras aos atos”, de “virar a página” e de ter mais “empenho em prol duma transformação urgente e necessária” que garanta a pacificação do país.
“O processo de paz e reconciliação exige um novo salto. Deem-se as mãos para levar a bom termo o acordo de paz, bem como o seu roteiro. Num mundo marcado por divisões e conflitos, este país acolhe uma peregrinação ecuménica de paz, que constitui uma raridade; que isto represente uma mudança de ritmo, a ocasião para o Sudão do Sul recomeçar a navegar em águas tranquilas, retomando o diálogo sem fingimentos nem oportunismos”.
“Se por trás de cada violência há ira e rancor, e por trás de cada ira e rancor há a memória não curada de feridas, humilhações e injustiças, a única direção a tomar para se sair disso só pode ser o encontro: acolher os outros como irmãos e dar-lhes espaço, inclusive sabendo recuar alguns passos. Esta atitude, essencial para os processos de paz, é indispensável também para o desenvolvimento coeso da sociedade”, afirmou, pedindo que não se deixem para trás os jovens.
“Passar da incivilidade do conflito à civilidade do encontro decisivo é o papel que podem e querem desempenhar os jovens (…). Sejam-lhes assegurados espaços livres de encontro para se juntarem e discutirem, e possam tomar nas suas mãos, sem medo, o futuro que lhes pertence”. Pediu, também, que as mulheres e mães “sejam mais envolvidas, mesmo nos processos políticos e decisórios (…). Haja respeito por elas, porque quem comete violência contra uma mulher, comete-a contra Deus”.
Não à corrupção nem aos “instrumentos da morte”
Neste discurso aos representantes políticos do país, e ao corpo diplomático, o Papa defendeu que entre as prioridades deve estar o combate à corrupção.
“Iníquos circuitos de dinheiro, enredos ocultos para se enriquecer, negócios clientelares, falta de transparência: este é o fundal poluído da sociedade humana, que faz faltar os recursos necessários àquilo para que mais servem, a começar pelo combate à pobreza, que constitui o terreno fértil onde se enraízam ódios, divisões e violência. A urgência dum país civilizado é cuidar dos seus cidadãos, particularmente dos mais frágeis e desfavorecidos. Penso sobretudo nos milhões de deslocados que aqui vivem: quantos tiveram de abandonar a sua casa encontrando-se relegados à margem da vida na sequência de confrontos e deslocações forçadas!”, afirmou.
Francisco pediu, de seguida, que se trave a importação de armas que alimenta a guerra. “Há que impedir a chegada de armas que, não obstante todas as proibições, continuam a surgir em muitos países da área, incluindo o Sudão do Sul: aqui há necessidade certamente de muitas coisas, mas não de mais instrumentos de morte”. E defendeu que é preciso desenvolver “políticas de saúde adequadas”, criar “infraestruturas vitais”, e apostar na educação, “para que os filhos desta terra tomem nas próprias mãos o seu futuro. Eles, como todas as crianças deste continente e do mundo, têm o direito de crescer tendo na mão cadernos e brinquedos, não ferramentas de trabalho e armas”, sublinhou.
Como conselho final, lembrou que não se ajuda verdadeiramente o Sudão do Sul, nem outro qualquer país da região, com soluções que sejam desadequadas à realidade africana. “Estou convencido de que, para se trazer contribuições proveitosas, é indispensável uma efetiva compreensão das dinâmicas e dos problemas sociais. Não basta observá-los e denunciá-los de fora; é preciso envolver-se com paciência e determinação, e em geral resistir à tentação de impor modelos pré-estabelecidos, mas estranhos à realidade local. Como disse São João Paulo II há trinta anos, no Sudão, ‘devem-se encontrar soluções africanas para os problemas africanos’”, sublinhou.