Provedora de Justiça nega problema sistémico racial e de maus tratos nas forças de segurança
19-12-2024 - 07:03
 • Ana Catarina André e Ana Dias Cordeiro (Público)

“Os grandes problemas nas prisões têm a ver com o parque dos estabelecimentos prisionais estar obsoleto”, diz Maria Lúcia Amaral.

A provedora de Justiça nega um problema sistémico de maus tratos e de natureza racial nas forças de segurança em Portugal, contrariando, assim, relatórios internacionais. Em entrevista ao programa Hora da Verdade, Maria Lúcia Amaral reconhece deficiências, mas acrescenta que, com base nas avaliações da provedoria, não há um problema estrutural.

Em relação às prisões portuguesas, a provedora de justiça fala em estabelecimentos prisionais obsoletos como causa para os problemas, nomeadamente os da segurança.

A morte de Odair Moniz, quando fugia à polícia, foi reveladora da forma como a polícia em Portugal trata as minorias?

O que a Provedoria tem é o dever de conhecer, por causa das competências que lhe são atribuídas pelo Estado português, por força da celebração de tratados internacionais por parte do Estado, e que se traduzem no dever que temos, e que temos vindo a cumprir, de acompanhar, através de visitas frequentes, nomeadamente os centros de detenção das forças de segurança. O ano passado publicámos um relatório quanto às visitas que fizemos em todo o território nacional aos centros da GNR e agora vamos publicar um relatório relativamente à PSP. Aí, tudo o que podemos ver está dito. E tanto quanto me é dado concluir por aquilo que podemos ver, e as nossas visitas são regulares, estão relatadas, não me parece, muitas vezes ao contrário do que dizem relatórios internacionais sobre o Estado português, nomeadamente o CPT – Comité da Prevenção da Tortura do Conselho da Europa, e esses relatórios são conhecidos, e dizem que nós temos um problema sistémico nas forças de segurança relativo a maus tratos. A verdade é que a provedoria não vê isso. A provedoria não corrobora isso nas suas visitas e nos seus relatórios, de modo algum.

Não corrobora, atualmente e nos últimos anos?
Não corrobora. Não pode corroborar. Eu suponho que esta posição do CPT é extremada porque a sua interlocução, por exemplo, não tem a mesma posição em relação aos estabelecimentos prisionais. Eu penso que é uma posição que tem muito fruto de dificuldades de interlocução. Dificuldades de diálogo. Porque aquilo que nós vemos, sempre que vamos ver, é que de maneira alguma podemos concluir... Nós temos problemas como toda a gente, temos deficiências como toda a gente.

O que diz é que não é a generalidade?

Não é de sistema. Não é isso que vemos.

E nas prisões?
Nas prisões também temos problemas, mas também não é isso que nós vemos. Os grandes problemas que temos têm a ver com o nosso parque dos estabelecimentos prisionais estar de tal ordem obsoleto… temos ainda três estabelecimentos prisionais que foram construídos no século XIX. Há uma grande heterogeneidade. São 49 em todo o território nacional. Uns são muito pequenos e novos, outros são muito antigos e grandes. Os grandes tendem a estar sobrelotados, não há sobrelotação no seu todo, mas depois há uns que estão sobrelotados. Onde a guarda [aos reclusos] é muito difícil de executar todos os dias. Há outros em situações completamente diferentes. Não há um sistema institucionalizado e reiterado, de maus tratos. Agora, estas são condições físicas que provocam problemas.

Nomeadamente o problema da segurança dos estabelecimentos, como se viu com as recentes fugas?

Sim, nos nossos estabelecimentos prisionais, a grande dificuldade é uma dificuldade logística dos próprios estabelecimentos, que são excessivamente heterogéneos entre si. E o que torna particularmente difícil a sua direcção.

Pelo contrário, corrobora os relatórios do Conselho da Europa que criticam as condições nas prisões e eventuais violações dos direitos dos reclusos?

Isso corroboro, tanto mais que não são só relatórios. Essas práticas que, quando estudadas a fundo, decorrem das próprias condições físicas, têm sido condenadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Já desde 2020, em quatro anos tivemos dez acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de Estrasburgo, a condenar o Estado português e sempre pelas más condições físicas em que os reclusos vivem. Ou porque estão em celas sobrelotadas, ou em celas onde o frio é insuportável, ou em estabelecimentos prisionais onde, no Verão, há muito calor e falta de água durante os longos períodos do dia. Já não são relatórios, é o que o Tribunal diz, o que está em causa são sempre condições materiais.