Donald Trump começou esta quinta-feira a colher os frutos da sua agressiva política proteccionista e nacionalista, bem como do seu total desconhecimento sobre a forma como lidar com os outros países.
O novo Presidente americano decidiu anunciar a construção do muro na fronteira com o México a seis dias de receber o seu homólogo mexicano na Casa Branca e quando o ministro dos Negócios Estrangeiros mexicano estava em Washington a preparar a visita do seu Presidente. E não satisfeito com esse anúncio, Trump reiterou numa entrevista que o país vizinho pagará pelo muro “de uma forma ou de outra”.
Isto foi na quarta-feira, como noticiámos. Nesse mesmo dia começaram as especulações sobre a hipótese de o Presidente mexicano cancelar a visita aos Estados Unidos. Peña Nieto, contudo, manteve uma atitude cautelosa, diplomática. Lamentou e reprovou a decisão de Trump, reiterou que o México não pagaria o muro, mas manteve a intenção de visitar Washington, dada a importância das conversações planeadas.
Mas na quinta-feira, Trump ripostou, ameaçando que poderia ele próprio cancelar o encontro caso o México não concordasse em pagar o muro. A reacção desencadeou um sentimento de humilhação crescente no México e as pressões sobre o Presidente intensificaram-se. “Ofensa”, “bofetada na cara”, foram alguns dos epítetos utilizados por responsáveis mexicanos.
Pouco depois, Peña Nieto decidiu cancelar a visita, reafirmando, contudo, a sua vontade em trabalhar com os EUA “para alcançar acordos que beneficiem os dois países”. Foi uma decisão unilateral do Presidente mexicano, mas Trump afirmou numa conferência em Filadélfia que ambos os Presidentes tinham concordado em cancelar o encontro e inverteu a questão: “A menos que o México trate os EUA com justeza, com respeito, o nosso encontro seria infrutífero, quero seguir um novo rumo. Não temos alternativa”.
O novo rumo foi anunciado pelo porta-voz da Casa Branca: a administração acabava de decidir taxar as importações do México em 20%. É desta forma que Trump prevê obrigar o México a pagar o muro que vai construir na fronteira.
Sean Spicer já fez as contas – os EUA importam anualmente do México cerca de 316 mil milhões de dólares em bens e serviços, mas só exportam cerca de 267, o que dá um défice comercial de 50 mil milhões. Taxar a 20% o equivalente a estes 50 mil milhões de défice resultará numa receita de 10 mil milhões de dólares anuais, o suficiente para pagar o muro em dois anos, explicou o porta-voz do Presidente.
Mais tarde, porém, a medida foi classificada como apenas uma das que estavam em estudo na administração e entre os congressistas republicanos, um dos quais terá sido o seu autor, o texano Kevin Brady.
Fantasmas mexicanos
Mas quer o anúncio ao princípio da tarde, quer a sua relativização ao fim do dia, provocaram oscilações significativas na moeda nacional mexicana, o peso. Toda esta ofensiva da nova administração americana está a despertar fantasmas entre os mexicanos.
A história entre os dois países regista vários episódios de violência, incluindo uma guerra aberta entre as duas nações e várias ocupações e confiscos de terras por parte dos EUA sobre o vizinho mais fraco do sul.
“Isto é um momento sem precedentes na relação bilateral. No século XIX travámos uma guerra com os EUA, agora estamos numa guerra de baixa intensidade, uma guerra acerca do NAFTA e uma guerra acerca da imigração devido às medidas anunciadas”, alertou Genaro Lozano, professor na Universidade Iberoamericana da Cidade do México, citado pelo “New York Times”.
Vicente Fox, antigo presidente do país, foi mais contundente. “Não queremos o regresso daquela América imperial, dos gringos, que invadia o nosso país, que mandava os marines, que punha e depunha Presidentes pelo mundo fora. Isso aconteceu no século XX e agora este tipo está a ameaçar-nos da mesma forma”. Uma América “feia” que “Trump representa”, acrescentou.
Nesta guerra comercial que agora está a começar, o México é, naturalmente, o país mais vulnerável porque os EUA são o seu maior cliente – cerca de 80% das exportações mexicanas têm como destino o vizinho do norte. Estas mercadorias vindas do México representam 13% das importações americanas, um número que não é despiciendo, sobretudo se tivermos em conta que há muitos milhares de automóveis (e outros equipamentos) que são fabricados ou montados no México e vendidos nos EUA.
As exportações americanas para o México, por seu turno, representam 16% do total que os EUA exportam anualmente, sendo responsáveis por 1,1 milhões de postos de trabalho.
Ora, taxar as importações implicará aumentos de preços no mercado consumidor americano, enquanto a previsível retaliação mexicana envolverá taxar as importações americanas, tornando os produtos menos competitivos no mercado do sul. Ou seja, muitos milhares de empregos nos dois lados da fronteira poderão ficar em risco.
O proteccionismo de Trump não é, certamente, uma medida com consequências unilaterais e quando se começarem a sentir os seus efeitos nefastos nos próprios EUA a pressão das empresas americanas vai fazer-se ouvir. Para quem prometeu criar milhões de postos de trabalho, o tiro poderá sair-lhe pela culatra.