O cardeal George Pell, da Austrália, disse esta quinta-feira que subestimou os opositores às reformas que tentou levar a cabo nas finanças do Vaticano, mas ainda assim acredita que a situação atual é muito melhor do que era no início do pontificado de Francisco.
Numa entrevista concedida ao programa “Church Up Close”, no âmbito de uma formação para jornalistas promovida pela Universidade Santa Croce, em Roma, George Pell admitiu também que foi um erro despedir os auditores externos.
“Provavelmente subestimei o engenho e a perseverança dos que se opunham às reformas. Trata-se de um grupo muito variado. Alguns opõem-se porque não gostam de mudanças, não compreendiam o que se estava a fazer e certamente houve oposição por parte de pessoas ligadas à corrupção.”
“Também errámos gravemente quando foram despedidos os auditores externos e quando o auditor Libero Milone foi despedido. Eu nunca aprovei essas medidas, mas talvez devesse ter lutado mais contra elas”, disse ainda o cardeal australiano que perto do início do pontificado de Francisco foi nomeado para tentar reformar um setor do Vaticano que era conhecida por produzir escândalos atrás de escândalos e vista com desconfiança pelo mundo financeiro internacional pela sua falta de transparência.
As decisões de que falou Pell foram tomadas na altura pelo então cardeal Angelo Becciu que, entretanto, foi forçado por Francisco a demitir-se e aguarda julgamento por corrupção.
"Não nos safámos ainda"
Apesar de toda as dificuldades, contudo, Pell insiste que a situação atual está muito melhor, embora a situação económica da Santa Sé continue a ser preocupante, pois continua a gastar mais do que ganha por ano.
“Escusado será dizer que isso não pode continuar durante muito mais tempo. Não se trata apenas de um défice anual, mas de pressões significativas sobre o fundo de pensões e o decréscimo de donativos. Demos passos muito grandes contra a corrupção, mas mesmo quando acabamos com a corrupção isso não significa que podemos automaticamente pagar as contas.”
“É preciso fazer mais. Não nos safámos ainda. Lidámos bastante bem com a questão da corrupção e o julgamento que se aproxima [de Becciu] irá clarificar isso mais”, considera.
Nos últimos anos George Pell tornou-se conhecido também por se ver envolvido num escândalo de alegados abusos sexuais de menores. O cardeal manteve sempre a sua inocência, mesmo depois de ter sido condenado em duas instâncias por tribunais australianos e chegou a passar mais de um ano em prisão, em regime de solitária, antes de ser absolvido pelo Supremo Tribunal, que considerou não existirem provas da sua culpabilidade.
Pell falou dos seus tempos na prisão durante a entrevista, dizendo que foi sempre bem tratado, mas que não se tratou de um “passeio”. O que mais lhe custou foi estar impedido de celebrar missa e recordou a amizade travada com dois outros reclusos, muçulmanos, com quem chegou a passar algum tempo. “Um deles deu-me uma espécie de catequese muçulmana, que li com grande interesse. Fiquei surpreendido com a qualidade da escrita”, admitiu.
Disse ainda que chegou a pensar em desistir da batalha legal. “Não tinha grande fé numa vitória no tribunal. Depois de ter perdido no supremo tribunal do Estado de Victoria cheguei a pensar que se ia ser assim, se os juízes iam simplesmente cobrir-se uns aos outros, então não valia a pena alinhar no que não era mais do que uma encenação muito cara. Quem me encorajou a recorrer foi o diretor da prisão”, recorda.
Mais adiante na entrevista Pell foi questionado sobre se existiria uma ligação entre os seus esforços para reformar as finanças do Vaticano e o processo legal contra si. Na resposta recordo o facto de terem sido detetadas transferências avultadas de dinheiro da Santa Sé para a Austrália que ninguém soube ainda explicar.
“A resposta mais simples é que não sabemos. É evidente que houve dinheiro transferido do Vaticano para a Austrália e que não sabemos porquê, mas foi. Pode ser uma perfeita coincidência, mas não deixa de ser uma situação que era bom clarificar. Talvez surja mais informação no julgamento”, disse, referindo-se mais uma vez ao caso envolvendo Becciu.
Bento XVI vai ser doutor da Igreja
No final da entrevista de pouco mais de uma hora o cardeal Pell foi instado a comentar os três últimos Papas da Igreja Católica.
Começando com João Paulo II, o cardeal recordou como assistiu à eleição do polaco quando ainda era padre, na Austrália. “Ouvi o seu discurso inaugural e quando acabou desliguei e pensei, ‘acertámos em cheio’”, disse, sublinhando a forma como o Papa contribuiu para o derrube pacífico do comunismo na Europa.
Em relação a Bento XVI os elogios saltaram da boca do australiano. “Ele será certamente um doutor da Igreja”, disse, recordando que apesar da fama que ele tinha de ser severo, essa descrição não é justa. “Um intelecto prodigioso, um grande amigo. Tinha um sentido de humor discreto, mas é um alemão do sul à antiga, um académico e padre até às pontas dos cabelos.”
Contudo, apesar da amizade, George Pell diz que nunca suspeitou que ele se iria resignar e não hesitou em dizer que “nunca aprovei da ideia”.
Sobre a oposição que existe na Igreja ao Papa Francisco por parte de setores mais conservadores, o cardeal Pell, que pode ser ele mesmo descrito como um conservador ao nível teológico e moral, disse que é compreensível, mas que é importante manter sempre a fidelidade ao sucessor de Pedro.
“Existe confusão e incerteza sobre o que se ensina. O Papa Francisco tem um grande dom, como tinha Jesus, para chegar àqueles que se encontram nas margens, que pertencem a categorias que não se costumam ver nas filas da frente das igrejas, e isso tende a ser confuso para as pessoas”, considera.
“Mas a realidade é essa. O Papado é algo que foi ordenado por Cristo e todos devemos respeitar o cargo, reverenciar o homem e obedecer às ordens pontifícias”, conclui o cardeal.
Por fim, o Cardeal manifestou a sua esperança de que a Igreja, sobretudo no ocidente, resistirá ao secularismo e experimentará um ressurgimento, mas deixou um recado aos jovens. “Se nos mantivermos unidos à vinha, haverá crescimento, se nos separarmos da vinha então podemos desaparecer. Mas como costumo dizer aos jovens, a situação é bastante simples. Se uma percentagem de vocês, jovens, não se chegar à frente para liderar, então isto vai mesmo por água abaixo.”