Portugal continua a falhar nos direitos à saúde e à habitação e a pandemia veio agravar o problema, revela o Relatório Anual do Estado dos Direitos Humanos no Mundo divulgado pela Amnistia Internacional (AI).
No plano da habitação, o documento mostra que o Governo português agiu bem ao suspender, por exemplo, as execuções de hipotecas e despejos até ao final do ano.
No entanto, muitas famílias continuaram a não ter acesso a uma habitação. Além disso, sublinha a AI, os sem-abrigo foram esquecidos.
“Vimos que continua a faltar acesso a uma habitação condigna a várias famílias. Claro que, em tempo de pandemia e de confinamento, isto é particularmente grave. E vemos que o apoio a pessoas em sem-abrigo, grupo que aumentou no ano passado, fruto das dificuldades derivadas da pandemia, foi dado por autoridades locais e por voluntários de associações de solidariedade”, afirma à Renascença a diretora de investigação da AI.
Na opinião de Maria Lapa, “podia ter havido uma resposta mais robusta por parte do Governo”.
O relatório recorda que a falta de condições e a sobrelotação das prisões levou o Governo a libertar mais de 2.000 presos no início da pandemia, mas alguns ficaram em situação de sem-abrigo.
No que toca à saúde, a organização recorda a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) no início da pandemia e durante o primeiro estado de emergência – segundo a Ordem dos Médicos, mais de metade dos clínicos não dispunha de EPIs.
“Um terço continuou a não ter EPI até final de junho. Até novembro, 8.755 profissionais de saúde haviam contraído Covid-19”, lê-se também no documento.
Racismo e o “caso escandaloso” de Homenyuk
Outra das preocupações registadas pela AI é o facto de Portugal ser um dos países onde os episódios de racismo persistem, seja a pessoas de etnia cigana, seja a cidadãos de ascendência africana.
“É algo que nos preocupa muito e que merece a prioridade por parte do Estado”, diz Maria Lapa.
O relatório conclui, também, que o país continua a falhar ao nível do acolhimento de migrantes.
"O caso mais escandaloso foi o homicídio do cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa, que mostrou várias questões muito preocupantes relacionadas com a forma como acolhemos migrantes e com vários casos de violência policial nas forças de segurança portuguesas”, acrescenta a investigadora.
“Um homem morreu, após espancamento, sob custódia da polícia de fronteiras”, escreveram os relatores da AI, sem referir o nome do cidadão ucraniano, cujo processo está a decorrer em tribunal.
A Amnistia Internacional apela ainda às autoridades portuguesas que tenham uma maior atenção à forma como os casos de violência doméstica são tratados na justiça, problema que, diz Maria Lapa, “terá passado ao lado de muitos portugueses nesta pandemia”.
A AI lembra a preocupação expressada pelo Comité dos Direitos Humanos da ONU sobre os baixos níveis de denúncias, processos e condenações relativamente a situações de violência contra mulheres e meninas e recorda que, em abril de 2020, uma mulher foi acusada de submeter a filha a mutilação genital, no “primeiro processo deste tipo a ir a julgamento”.
Egoísmos globais
Ao nível global, a Amnistia acusa os líderes mundiais de egoísmo na gestão da pandemia de Covid-19, lamentando que os interesses nacionais superem a cooperação internacional na resposta à crise.
Como nota positiva, a AI saúda os movimentos sociais que surgiram ao longo da pandemia, desde os protestos contra o racismo nos EUA às greves contra a violência de género.
O relatório vai ser remetido nesta quarta-feira ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e aos partidos com o objetivo de que o Governo possa ouvir algumas das recomendações da Amnistia Internacional.