Os crimes do Hamas no dia 7 de outubro foram puro terrorismo.
A carnificina em casas de civis - qualquer que fosse a sua nacionalidade, raça ou credo - é pura barbárie e manifestação de cobardia. Apanhar pessoas à traição não tem outro nome. E aquilo que a famílias inteiras se fez, o modo como tais crimes se consumaram, é igualmente inclassificável.
O Hamas não atacou alvos militares, mas sim pessoas que estavam nas suas casas, gente de todas as idades, queimados uns, torturados outros, alguns abatidos à queima roupa - chacinados em meia dúzia de horas.
Não há justificação nem compreensão para crimes como estes. Não pode haver. Seja qual for o nosso ponto de observação - no Oriente ou no Ocidente.
Por mais diversas que sejam as culturas e sensibilidades, estes são crimes universais. Não devem depender de cada cultura ou religião nem variar em função de opções ideológicas nem de floreados relativistas.
A relativização dos crimes não ajuda à paz. Ao parecer justificá-los, antes se encoraja a guerra.
Não se podem relativizar os crimes, venham eles de onde vierem. O mínimo denominador comum de humanidade tem de ser preservado.
Crimes como estes são sempre crimes e crimes para sempre. E o mesmo vale quando se olha para a resposta israelita.
Perante aquilo que aconteceu, Israel tem - como qualquer outro país teria - o direito de reagir, de preservar a sua existência como Estado e de assegurar o bem-estar das suas famílias.
Não é, porém, um direito absoluto que possa impor-se de qualquer forma e feitio, sem limitações nem salvaguardas.
Em todo o caso, numa primeira fase, poucos puseram em causa tal direito ou necessidade.
Porém, o impacto da reação israelita sobre populações indefesas e a inabilidade comunicacional da sua liderança, somadas à propaganda de alguns e aos preconceitos de outros criaram a tempestade perfeita para Israel, que de vítima passou a ser encarado como agressor.
Ao serem empurrados de suas casas, deslocados, bombardeados, sem alimento nem água nem luz, obrigados a vaguear por um território fechado e encravado entre Israel, o Egito e o mar, e coagidos a escolher entre o Hamas que os instrumentaliza e Israel que não os preserva, estes dois milhões de palestinianos são também eles vítimas; vítimas atraiçoadas e cercadas pelo rumo da história.
Os crimes do Hamas passaram para segundo plano. Pior: em vez de separar o Hamas dos palestinianos em geral, a desproporcionalidade da resposta israelita juntou-os.
Ninguém duvida que muitos palestinianos se sentem instrumentalizados (e não é de agora…) como verdadeiros escudos humanos pelo Hamas e por outros movimentos semelhantes.
E sabe-se que as instalações militares do Hamas estariam disseminadas e dissimuladas nos equipamentos civis - hospitais, escolas, campos de refugiados. E é por isso evidente que a confusão entre alvos civis e alvos militares do Hamas tornaria tudo mais difícil e profundamente delicado.
Quem financia e quem estimulou o Hamas a desencadear este golpe não ignorava as severas ondas de choque que se seguiriam.
Sabia-se que o atual chefe do Governo israelita era o adversário perfeito. Previa-se que Netanyahu seria um líder que nestas circunstâncias mergulharia avidamente na guerra, e numa guerra sem limites, procurando desse modo unir o país à sua volta, coisa que foi incapaz de fazer em tempos de paz.
As consequências estão à vista de todos. A atenção do mundo e dos media desviou-se da Ucrânia para o Médio Oriente, aliviando a pressão sobre a Rússia.
Os Estados Unidos não desistiram da Ucrânia, mas foram ‘mobilizados’ para um novo e exigente foco de atenção, com fortíssimas consequências na política interna e externa de Washington.
A resposta altamente musculada de Israel ressuscitou algum grau de unidade entre países árabes; e, por outro lado, congelou - veremos por quantos anos - as diferentes aproximações de Estados árabes com o Estado de Israel, que estavam a enervar algumas capitais no Médio Oriente.
Permeável à propaganda ou prisioneira de preconceitos ideológicos, a opinião pública europeia dividiu-se.
Permeável à propaganda ou prisioneira de preconceitos religiosos, as sociedades árabes uniram-se.
O mundo não ficou melhor e a solução de dois povos e dois Estados - israelita e palestiniano, ambos com o mesmo direito de viverem em paz e segurança - ficou mais longe.
Oitenta anos depois da tragédia do Holocausto, quem encoraja e sustenta o Hamas sabe o que faz.