"Não temos nada a perder com as mudanças na 2ª Circular. Só a ganhar"
27-01-2016 - 15:40
 • João Carlos Malta , Teresa Abecasis (imagem)

O gabinete de arquitectura responsável pelo projecto da 2ª Circular defende-o contra todas as criticas. Não haverá perigo para a segurança dos aviões, garantem. Mais do que os “números” do projecto interessa-lhes que contribua para a mudança na percepção: a via rápida vai tornar-se uma avenida urbana.

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As árvores no separador central, a transformação numa via mais amiga dos peões com mais espaço de passeio são algumas das opções mais polémicas para a futura 2ª Circular. A Renascença conversou com os arquitectos paisagísticos responsáveis pelo projecto, que respondem a todos os temas mais polémicos e defendem as opções da proposta, que está em discussão pública até sexta-feira.

A NPK é o escritório de arquitectura responsável pelo projecto paisagístico e José Veludo, Leonor Cheis e José Lousan assinam as ideias de requalificação do espaço. Afirmam que não tiveram carta-branca para impor as ideias que tinham.

“Havia três equipas com três visões e três sensibilidades que se entenderam e em conjunto chegaram a um conceito geral. Houve desde início alguns constrangimentos que nós próprios colocámos e que nos puseram também. Para nós era sagrado, quando se começou a falar de arborização no separador central, que se garantissem determinadas condições para o desenvolvimento das aves”, explicam.

A segurança em relação à opção das árvores para o trânsito, as críticas da aviação civil e os que chamam ao projecto uma mera “operação de cosmética” não ficam sem resposta.

Os arquitectos deixam uma certeza: na primeira fase do projecto só se está a falar de 500 árvores e não de 8 mil.

A 2ª Circular é uma via nevrálgica de Lisboa. Quais foram os principais desafios que se lhes levantaram?

José Veludo - Talvez o de conseguir introduzir a arborização e criar continuidade numa longitude tão grande. Estamos a falar de 9,6 quilómetros, apesar de o projecto de arquitectura paisagística se materializar apenas em oito quilómetros. A continuidade repercute-se a vários níveis: visual, física e biológica. Quanto mais longa é a intervenção mais difícil é encontrar soluções que a garantam.

A opção pela arborização tem sido polémica. Era a vossa primeira solução? Havia outras?

Há duas questões que se têm confundido. Vimos com bons olhos e sempre achamos desejável melhorar a naturalização da 2ª Circular. Mas há dois momentos nesta solução: uma é a do separador central e outro é a intenção da câmara de naturalização das laterais. Defendemos os dois, apesar de as laterais terem outros impactos. É bastante mais vasta e afectará mais a cidade, nomeadamente o alargamento da estrutura ecológica municipal. Já a questão do separador é mais importante – ou melhor, é simbolicamente mais importante – para a própria via. Ao plantar árvores estamos a introduzir uma característica que é típica das vias do interior urbano mais calmas. Já há outros exemplos na cidade, como a Avenida dos Estados Unidos da América.

O projecto nasceu a seis mãos, as de José Veludo (à esquerda), Leonor Cheis e José Lousan

Mas a opção das árvores é vossa ou já precedia a vossa entrada no projecto?

É difícil definir de onde é que veio, acho que estará na cabeça de muita gente. O que fizemos foi criar um conceito à volta disso e materializá-lo.

A autarquia já o queria?

Sim, a câmara já falava disso.

Mas vocês sempre trabalharam a partir desse pressuposto?

As árvores têm um poder que outra vegetação não tem, tem uma escala que outras plantas não têm, se se quer alterar uma paisagem. As árvores conseguem ter um impacto muito mais rápido e duradouro do que outro tipo de revestimentos.

Não havia portanto outros cenários.

A intervenção na 2ª Circular já estava há muito programada, mas apenas com um investimento dedicado à repavimentação. Há uns anos, para reduzir a sinistralidade, já se tinha reduzido artificialmente a largura das faixas, deixando faixas pintadas que não eram utilizáveis. O que fazer então? Passar o espaço que estava a sobrar para o meio, criar um separador, e assim travar o efeito barreira das seis vias em dois sentidos. A solução quase que só podia ser esta.

Já se disse quase tudo sobre o projecto, incluindo que na nova 2ª Circular haveria de tudo um pouco como quiosques, bicicletas… O que é que é verdade e o que não é?

É um chavão, mas sem dúvida que o que é importante aqui são as pessoas. Estamos a passar de uma via dedicada ao tráfego viário para, gradualmente (e o gradualmente é muito importante), uma via urbana.

Estas grandes transformações não se fazem de um dia para o outro. O que estamos a fazer é dar um passo – e outros serão dados nas próximas décadas – para transformar a 2ª Circular numa outra coisa, sempre a favor da população que a habita.

Já há nove paragens de autocarros e quatro passagens pedonais aéreas, o peão já muitas vezes acede ao limite da 2ª Circular. O melhor é que pudesse fazê-lo numa situação de conforto muito superior. Nesse sentido, esta intervenção não altera os interfaces, mas aumenta a segurança do que já existe. A todas os espaços pedonais vai-lhes ser acrescentado o guarda-corpos e as paragens dos autocarros vão ter refúgios próprios para prepararem que hoje em dia não têm.

Não ficará uma via confortável para se poder passear ao longo dela nos passeios, mas todas as zonas pedonais serão melhoradas.

Então a transformação que preconizam tem dois eixos: arborização e tornar a via mais amigável para os peões.

São esses dois e a redução da velocidade. Para a população que ali reside, a redução da velocidade altera as percepções de alerta que as pessoas têm. Vão sentir aquela via menos perigosa, já para não falar das consequências directas em termos de ruído.

Haverá uma melhoria das condições quotidianas e ambientais para as pessoas que tem origem nesta intervenção.

Um dos argumentos usados para fazer esta intervenção é de que a 2ª Circular divide a cidade em dois. O que fará este projecto para que isso não suceda?

As barreiras não existem só porque não as conseguimos ultrapassar. Não vemos só a barreira, também a percepcionamos. A redução da velocidade, a redução do ruído, o aparecimento de uma maior naturalização na via e o separador, tudo isto funciona para reduzir a percepção de barreira. Em última análise, só desaparecerá quando colocarmos semáforos, que não faço a mínima ideia se vai ou não acontecer. O que sei é que esta intervenção reduz essa percepção. Não o faz fisicamente, mas a percepção que as pessoas vão ter é de que a via se vai tornar mais amigável.

São oito mil árvores no total....

Não, só há 500 neste projecto, as outras 7.500 estão planeadas, mas não são para já. São uma estimativa do que seria possível plantar nos espaços contíguos à 2ª Circular.

Com tantas árvores, não há risco de haver queda de ramos nas alturas de tempestade e assim aumentar a sinistralidade?
O risco será o de cair um ramo em cima de uma pessoa ou de um carro. É sempre um risco. Quantificar isso, não sei como fazê-lo. Sei que as árvores existem na cidade e esses problemas são controlados pela manutenção. Não estamos a fazer nada com o que não convivemos diariamente.

Mas talvez em vias de menos tráfego...

A Avenida da Liberdade é uma via de tráfego constante. Nos dias de vendavais caem ramos. A arborização na Avenida da Liberdade é muito superior, pelo menos na proximidade, em relação à que vai existir na 2ª Circular. Não me perece que seja um problema.

Os sindicatos da aviação têm criticado fortemente a solução porque dizem que traz mais aves para o local e coloca em perigo as aeronaves. E queixam-se ainda de não terem sido ouvidos.

Em relação a isso não posso falar porque a marcação dessas reuniões é de responsabilidade da câmara, mas temos ouvido atentamente aquilo que têm dito. Tirámos algumas conclusões e quando acabar a consulta pública veremos se há alguma coisa que seja pertinente alterar. A arborização colocada agora em consulta pública é irrelevante naquilo que é a arborização da cidade. Não vai colocar em risco o aeroporto e não é relevante perante o resto da vegetação que existe. Estamos a cumprir integralmente aquilo que está definido nas condicionantes do PDM relativamente aos cones do aeroporto.

Há outros aeroportos que têm zonas verdes nas imediações, mas usam dispositivos eléctricos para as afastar. Está prevista essa solução?

Tivemos todos os cuidados que a lei nos exigia e cumprimos. Vamos olhar com atenção para a consulta pública para saber se mais alguma informação nos pode ajudar a melhorar o projecto. A questão dos pássaros extravasa e muito o nosso projecto.

Mas é uma consequência do projecto que apresentam...

Não. Nós não vemos assim, não consideramos relevante o acrescento de árvores que vamos colocar.

Retirar árvores do separador central na zona do aeroporto é ainda uma possibilidade ou isso desvirtuaria o projecto?

Há sempre espaço para alterar, todos os projectos tem uma evolução e vão-se adaptando. Pode acontecer, embora não veja essa necessidade.

Na vossa concepção de arquitectura paisagística, a necessidade de transformar as vias rápidas que rasgam as cidades, em vias urbanas, é imperiosa? Mesmo quando aparentemente não há soluções para o trânsito?

Em relação a essa questão apenas posso acreditar no que a restante equipa defende, a de que não há qualquer redução na capacidade da 2ª Circular. A redução de trânsito que está prevista é amigável porque se baseia no princípio de que ao diminuir a velocidade as pessoas optam por outras vias, como a CRIL. Não o faziam antes porque a velocidade permitida numa e noutra era idêntica. Mas na capacidade não há redução.

Há muitas transformações que são necessárias fazer na cidade, como a maior coexistência entre o espaço urbano denso e uma desejada naturalização. É um assunto em que há muito trabalho a fazer. E não é fácil. A 2ª Circular permite esta deslocação de carros ao longo de toda a cidade porque é contínua, sem obstruções, se conseguirmos ajudar a que a naturalização atravesse com a mesma fluidez a cidade, isso é uma coisa boa. Aí será relevante o que este projecto traz para melhorar a continuidade na estrutura ecológica. Isso é uma pedra de toque na estrutura das cidades.

Mas o ex-presidente da Quercus Francisco Ferreira disse que o impacto seria zero em termos ecológicos...

No nosso trabalho quantificamos muita coisa, mas não é esse o nosso foco porque para nós a questão da percepção é que vale. Não é só a questão dos números. Não é só importante o que se faz, mas também o que se percepciona. Quando falamos do separador central, o que ele acrescenta de espaço plantado para a cidade é pouco relevante, mas se a câmara intervier noutros 40 ou 50 hectares contíguos já não é nada irrelevante.

Basearam o projecto noutro já existente?

Não, apesar de estarmos em rede e de termos encontrados outros projectos noutras cidades em que os separadores centrais de vias rápidas foram arborizados.

O professor do Instituto Superior Técnico Luís Picado dos Santos duvida que, “com uma intervenção quase paisagística, se consiga resolver os problemas actuais de uma via como esta, que tem características sobretudo pendulares”. Como comenta?

As nossas competências para discutir tráfego são escassas. Há uma coisa que eu sei, não temos nada a perder. Só a ganhar. De uma intervenção que ia ser feita para melhorar os pavimentos sai uma transformação da via num cenário bastante mais aprazível para quem a usa e para todos os habitantes da envolvente. Há ainda o acrescento de 1,5 hectares de árvores e arbustos e isso é bom. Chamar a isso meramente “paisagístico”, não sei o que quer dizer. É bom que a cidade tenha mais zonas naturais, que fique mais bela. Isso é óptimo.

Ao aceitarem este projecto com os riscos inerentes, não temem que vos "fique agarrado a pele" se se concluir que foi um falhanço?

Não sei o que é isso do risco. Trabalhamos sempre da mesma maneira. Se alguma vez pensamos que o projecto seria tão escrutinado? Não nos passou pela cabeça, mas não vemos nenhum risco.