O presidente do Chega não vai alterar os estatutos que foram chumbados pelo Tribunal Constitucional. O partido fica com os estatutos de 2019 e a convenção deste fim de semana vai definir a estratégia de coligações de governo.
André Ventura diz, em entrevista à Renascença, que qualquer entendimento tem de passar por uma coligação governamental e não por apoio parlamentar. Não aceita a contestação dos críticos sobre as alterações da eleição dos delegados.
Recandidata-se a um novo mandato na convenção deste fim de semana, que não prevê qualquer alteração de estatutos. Como é que o partido vai acatar a decisão do Tribunal Constitucional, que chumbou os atuais estatutos?
Temos duas opções: ou voltávamos aos estatutos originais, que já estavam aprovados pelo Tribunal Constitucional, ou fazíamos novo congresso estatutário. Entendemos que começa agora um ciclo eleitoral, com as regionais na Madeira, as europeias, autárquicas e, por isso, fazia mais sentido voltar aos estatutos que já estão aprovados.
Mas aí será necessário ajustar os órgãos aos estatutos de 2019?
Sim. Vou dar um exemplo: o presidente era eleito por eleições diretas, que acho que é o que faz sentido num partido com esta dimensão, mas como os estatutos dizem que é eleito em congresso, este fim de semana são os delegados que vão eleger o presidente. Para os outros órgãos temos também de fazer ajustes.
E os secretários-gerais e a Comissão de Ética também vão deixar de existir.
Sim, vamos ter de funcionar de acordo com os estatutos originais. Essa adaptação vai ter de ser feita.
Mas é uma adaptação só para estes três anos, para se preparar para esta batalha eleitoral?
Eu penso, honestamente, que mais cedo ou mais tarde o partido terá de fazer uma modernização estatutária, porque estamos a falar de um partido com uma grande dimensão, que tem já cerca de 40 mil inscritos.
Mas a nossa estratégia foi ter alguma estabilidade institucional ao longo dos próximos três anos. Daí a não alteração de estatutos. Acatamos os estatutos originais que o Tribunal Constitucional tinha aprovado para termos um quadro institucional estável para trabalhar os próximos três anos, que vão ser fundamentais.
A eleição dos delegados à convenção mereceu críticas por parte de alguns militantes, porque as regras foram alteradas. Não receia nova intervenção por parte do Tribunal Constitucional?
O Tribunal Constitucional é livre de intervir, nós temos respondido a tudo e temos vencido a maior parte das impugnações. Mas não vejo como. O conselho nacional de Castelo Branco, antes da convenção, aprovou o regulamento eleitoral. E a proposta nem sequer foi da direção, mas sim de um grupo de conselheiros autónomos que propuseram que houvesse outros métodos nos seus distritos. Ou seja, em vez de elegermos uma lista por método de Hondt, quem vence, leva a lista toda.
Mas isto quer dizer que a convenção vai ter maioritariamente delegados que são seus apoiantes.
As listas são das distritais do partido, mas é certo que a maioria declarou apoio à minha candidatura e eu fico orgulhoso disso. Podem dizer que diminui a representatividade e dificulta a vida à oposição. Mas também podia dificultar a vida para nós. Imagine, por exemplo, num distrito como Lisboa, com 152 lugares. Se a oposição vencesse a lista em Lisboa, levaria os 152 delegados para a convenção. Portanto, é um risco maior até para quem está a liderar o partido. E eles nem sequer conseguiram fazer uma lista em Lisboa. Este método é usado em vários países, como em França, nos Estados Unidos...
Nós temos vários métodos eleitorais. O conselho de jurisdição é eleito pelo método maioritário, já o conselho nacional é pelo método de Hondt. Acho que as regras foram clarificadas, não vejo motivo para impugnações.
Quando esta convenção foi marcada, desafiou os críticos a avançarem. Acha que a sua liderança é muito contestada no partido?
Isso vamos ver no congresso, até às 23 horas de sexta-feira podem ser apresentadas candidaturas. Não digo que não possa vir a acontecer, mas estranharia que apresentassem uma candidatura em cima da hora. Se fosse eu, anunciaria um mês antes para mobilizar as bases. Isto é um sinal de que não há contestação à minha liderança e que a contestação é só de meia dúzia de pessoas que não têm expressão política real. Se isto acontecer, se houver candidatura alternativa, lá estaremos para disputar e para vencer.
Eu quero ser avaliado pelos resultados e os resultados são de um presidente que conseguiu há quatro anos ir para a Assembleia da República, que levou o partido de um para 12 deputados, com centenas de autarcas eleitos no país todo, umas presidenciais com quase 12% dos votos. E estamos com as melhores sondagens de sempre.
Os militantes são livres para mudar o rumo do partido. Mas no dia em que perder as eleições internas no partido, não faço como outros, não fico seis meses à espera, e deixo o lugar de deputado.
E no grupo parlamentar?
Não sinto nenhuma oposição no grupo parlamentar, que está unido e vai apoiar a minha candidatura. Das distritais, todas vão apoiar a minha candidatura. Em Lisboa não houve nenhuma lista contra mim. Por isso, presumo que os militantes estão contentes com esta liderança.
Disse já que este mandato deve ir até às eleições de 2026. Qual vai ser a sua prioridade?
Preparar o partido para o próximo ciclo eleitoral, para ser um partido de governo. Somos a terceira força política, as pessoas já reconhecem o nosso trabalho, agora temos de entrar numa nova fase.
Para ultrapassar o PSD…
Sim, para sermos o principal partido de oposição. E, se chegarmos a um cenário eleitoral em que PSD e Chega juntos tenham maioria absoluta, [devemos] perguntar ao partido que entendimento [tem] e em que condições é que podemos fazer esse entendimento. Não pode ser uma decisão do presidente do partido.
Mas o que é que André Ventura vai propor?
Há uma coisa que é certa: não vamos voltar a repetir a solução dos Açores e qualquer solução que haja terá de ser de coligação governamental e não de mero apoio parlamentar. Eu acho que geringonças à direita e à esquerda mostraram que estão esgotadas e vou dizer isto mesmo aos congressistas.
Acho que este modelo só nos traz dificuldades e não permite a transparência e a concretização de obra que nós deveríamos ter. Portanto, entendo que o Chega deve lutar para ser o primeiro partido da oposição, para poder formar governo e liderar esse governo. Terceiro aspeto: até onde é que podemos ir? É o Congresso que tem de definir.
Acordo de governo com quem? Só o PSD, com a Iniciativa Liberal. Vimos os liberais, no passado fim de semana, a excluir o Chega?
Isso é ridículo, porque o que as sondagens mostram é que PSD e Chega juntos formam quase uma maioria de governo. Por isso, ser o partido mais pequeno a dizer que aceita sem o Chega é um pouco absurdo. Mas são os eleitores que traçam as linhas vermelhas e não os partidos.
Ora, se os eleitores votarem 30% no PSD, 15% no Chega e 8% na Iniciativa Liberal, vamos tirar os 15 % da equação como se não existissem? A política não é assim, mostram algum amadorismo.
O Luís Montenegro foi mais esperto, percebeu que não havia linhas vermelhas e que são os eleitores que definir essas linhas.
Mas o partido tem de definir e eu, se for eleito, quero que o congresso defina já essa estratégia. Se aceitamos, em que condições aceitamos o entendimento, se é com ministérios ou não, uma coligação escrita, um acordo, que modelo... Porque as eleições podem ser para o ano e essa é a mensagem que eu levo para o congresso. Temos de estar preparados para governar.
Já teve algum encontro com Montenegro?
Não tivemos nenhum encontro institucional. Quando temos de falar ao telefone, falamos. Eu não sinto necessidade nenhuma de falar com o líder do PSD. A nível parlamentar há uma excelente relação entre a nossa bancada e a liderança da bancada do PSD, não vejo necessidade de mais. Não vale a pena estarmos a falar de aproximações quando se tem visto, pelos debates parlamentares, que os partidos até têm distâncias muito grandes em muitas matérias e cada vez mais se estão a acentuar. Vai ser difícil encontrar plataformas de entendimento. Agora, uma coisa é [ser] difícil, outra é ser impossível. A outra opção é deixar o PS governar para sempre. O PSD já percebeu que não há volta a dar.
As próximas eleições são já este ano, as regionais na Madeira. Nas últimas, o partido teve pouco mais de 500 votos. Vai conseguir eleger deputado regional na Madeira?
Vamos, certamente. As sondagens todas mostram isso. Temos até uma sondagem do Diário de Notícias que nos dá 11%. Um ano depois nos Açores tivemos 6% e elegemos dois deputados. O desafio é saber se o Chega vai tirar a maioria absoluta ao PSD e impor-se na governação da Madeira. Eu já estive na Madeira e voltarei já este mês de fevereiro, para começarmos a trabalhar na pré-campanha eleitoral.
Uma última questão sobre a eutanásia. A decisão do Tribunal Constitucional será conhecida em breve. O Chega foi o partido que mais batalhou contra a lei na Assembleia da República. Considera que ainda há espaço para o referendo?
Eu acho que é um disparate, quer para a esquerda, quer para a direita, não referendar esta matéria. Para a estabilidade da própria lei, não faria sentido que uma lei desta clivagem moral, desta controvérsia ética, valorativa, axiológica não fosse posta aos portugueses. Porquê? Porque senão está sempre sujeita às maiorias de transição. Eu já desafiei a direita a revertermos a resolução da eutanásia. Luís Montenegro não se comprometeu com isso, Passos Coelho sim. Mas repare que isto, do ponto de vista legislativo, é mau para o país.
Veja que, com a interrupção voluntária da gravidez, nos moldes em que foi com a divisão que provocou, não foi mais posta em causa, porque houve um referendo em que uma maioria se pronunciou pelo sim. Eu acho que devia haver um referendo e [que] o presidente devia ser sensível a esta matéria.
E a sua opinião?
Eu acho que esta lei nunca vai entrar em vigor. Primeiro, porque considero que o Tribunal Constitucional vai colocar algumas necessidades de clarificação. Segundo, porque o próprio Presidente da República ainda terá algum papel na regulamentação que o Governo vai ter de fazer da lei. E terceiro, porque eu acho que isto não dura até 2026. E se o Governo, se o Parlamento forem dissolvidos, o processo vai ficar parado até umas novas eleições. E como eu penso que a esquerda não vai vencer as próximas eleições, acho que este diploma de eutanásia nunca vai entrar em vigor. É o que eu acho, apenas a minha convicção, não é nenhuma decisão política de fundo.