​Correia de Campos dá razão aos sindicatos nas críticas à descida da TSU
12-01-2017 - 00:00
 • Raquel Abecasis [Renascença] e Vítor Costa [Público]

Em entrevista à Renascença e ao "Público", o presidente do Conselho Económico e Social mostra-se preocupado com o efeito que a medida poderá ter nos salários dos portugueses.

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Correia de Campos diz que os sindicatos têm razão quando criticam a descida da Taxa Social Única (TSU) a pagar pelas empresas, uma medida decidida em Concertação Social e que foi a moeda de troca para que os patrões aceitassem a subida do salário mínimo nacional (SMN) para 557 euros.

Em entrevista à Renascença e ao jornal "Público", falando em nome pessoal, e não expressando a opinião do Conselho Económico e Social (CES), a que preside, Correia de Campos alerta que “o principal problema da redução para as empresas [da TSU] não é a perda de receita da Segurança Social”.

O problema é o efeito que essa medida poderá ter nos salários. “O que ela traz de menos positivo é o incentivo que representa a que os salários em vez de se organizarem numa grelha retributiva real, retribuindo diferenças de desempenho, acabam por se conglomerar, por se esmagar à volta do salário mínimo ou pouco acima dele”, explica o antigo ministro, adiantando que face ao aproveitamento que poderá haver pelas empresas, “os sindicatos têm razão em ter discordâncias.”

Há razão para confiar que possam haver consensos na concertação social?

É essencial ter uma via negocial para resolver os velhos e permanentes conflitos entre o capital e o trabalho. Portugal não foge a essa regra, tem essas estruturas montadas e essas estruturas funcionam, mesmo quando nem todos os parceiros subscrevem um acordo de concertação. Mas quando se vê que mesmo aqueles que não subscrevem saem do acordo ou da última reunião satisfeitos com o acordo que se conseguiu isso significa...

Está a falar da CGTP em relação ao cordo de salário mínimo nacional (SMN)...

Por exemplo, mas pode vir a acontecer com outros parceiros. Isso significa que funcionou. Que a mecânica da negociação funcionou.

No caso do SMN houve uma negociação real? O aumento para 2017 já era uma condição pré-estabelecida.

Sim. Era uma condição política. Era uma linha vermelha política que passou a ser um pouco mais cor-de-rosa quando o acordo condicionou os próximos aumentos à existência de condições económicas e sociais que o permitam. Mas a intenção é muito forte e está escrita nos acordos entre os partidos. Há apenas uma válvula de segurança para o caso de uma situação de ruptura internacional, uma situação de imposição internacional, uma situação em que as coisas voltem a deteriorar-se pesadamente. O que não é um cenário verosímil, mas é um cenário não descartável.

Mas não é só no SMN que a política parece ultrapassar a concertação. Na legislação laboral, por exemplo, os partidos à esquerda do PS insistem que essa é uma matéria a resolver em sede parlamentar.

As declarações de todos os parceiros sociais, sem qualquer excepção, são muito fortes a favor do recurso à concertação social. Não encontro da parte de nenhum dos parceiros nenhuma declaração pública no sentido de defender que as soluções da política do trabalho sejam decididas no Parlamento. Encontro nos partidos, mas não encontro nos parceiros sociais.

O facto de os partidos à esquerda do PS insistirem que essas questões devem ser tratadas no Parlamento não prejudica as possibilidades de trabalho na concertação?

Não posso deixar de não dizer que limita a margem de manobra negocial, por exemplo do Governo, mas mesmo assim o Governo ainda encontrou mecanismos para poder navegar nessa negociação.

O que saiu do acordo de concertação, para além do salário mínimo, na prática é um caderno de encargos.

Um caderno de encargos para todos. Uma das peças mais importantes neste acordo, tal como no anterior, é o facto de haver uma monitorização permanente dos seus resultados, um acompanhamento permanente da questão do salário mínimo. Sabemos que aumentou o número de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo, e se essa subida continuar e for muito grande começa a ser preocupante porque podemos entrar numa situação em que o salário mínimo tenda a absorver uma parte dos que estão no salário médio. E isso pode ser feito através da monitorização e do acompanhamento regular dos relatórios da comissão que já foi criada no início do ano passado.

Uma das condições da subida do SMN é a descida da TSU das empresas. Parece-lhe normal que seja a Segurança Social ou o Orçamento do Estado a financiar a subida do salário mínimo?

Não haverá ninguém em Portugal que não esteja de acordo que é necessário fazer variar as formas de financiamento da Segurança Social. Há mais de 50 anos que se fala num imposto sobre o valor acrescentado bruto das empresas, mas não há coisa mais manipulável do que o valor acrescentado e, portanto, a base impositiva fiscal seria sempre muito periclitante.

Há outras alternativas que já foram adoptadas na Europa. Os alemães tinham folga e fizeram-no através de um aumento do IVA. Nós estamos com o IVA a 23%, não sei se temos possibilidade de aumentar o IVA para poder financiar reduções na TSU. Os franceses criaram uma contribuição social generalizada, ainda no final do século passado. Essa contribuição tem de interessante o incidir sobre tudo, não só os rendimentos do trabalho, como também sobre os rendimentos de capital e as ajudas sociais. Isto é, o subsídio de desemprego e o subsídio por doença. Não sei se os nossos parceiros sociais estariam disponíveis para aceitar essa solução.

Neste caso concreto, o principal problema da redução para as empresas, para os salários até 700 euros, não é a perda de receita da Segurança Social. Essa perda de receita é relativamente controlável. Não representa um grande rombo, tanto mais que se os salários aumentarem uma parte dela é compensada. O que ela traz de menos positivo é o incentivo que representa a que os salários em vez de se organizarem numa grelha retributiva real, retribuindo diferenças de desempenho, acabam por se conglomerar, por se esmagar à volta do salário mínimo ou pouco acima dele.

E mesmo as empresas que não praticam o SMN tenderão?

Isso é uma tendência e aí os sindicatos têm razão em ter discordâncias, no meu ponto de vista, naturalmente. Não estou aqui a emitir opiniões do Conselho Económico e Social, apenas opiniões pessoais. E o Governo também está muito preocupado com esta circunstância, a verdade é que relutou tanto quanto pode e só a utilizou porque é uma solução de compromisso utilizada noutros países. É uma solução transitória que não pode ser transformada numa solução definitiva.

Como vê a intenção do Governo de regularizar a situação dos trabalhadores precários do Estado?

É essencial. A entrada dos estagiários nas empresas onde estagiam é baixíssima. E não podemos criticar o sector privado se não começarmos desde já no sector público a impedir que isso se mantenha. Não é possível ter legislação e actuação executiva forte em relação aos operadores privados que se apropriam de um mecanismo e de um expediente para substituir permanentemente estagiários uns pelos outros para terem todos os benefícios que a lei lhes concede, incluindo subsídios, e não começar pela função pública.

Agora, há um perigo e um problema extremamente importante. É que na passagem da precariedade à situação definitiva, a Administração Pública não pode fazer como se fez há 20 ou 30 anos, isto é, quando se incorporavam no Estado aqueles que estavam a recibos verdes sem qualquer espécie de concurso, sem qualquer espécie de selecção.

É essencial que ao terminar a precarização na função pública ela seja feita através de mecanismos de selecção. Isto para que não aconteça como nos anos 90 quando regularizamos 40 mil recibos verdes, em que a média das habilitações dos regularizados era inferior à média das habilitações da função pública em geral, que nessa altura era muito baixa. Isto é errado do ponto de vista humano, técnico e económico.