O presidente do Conselho Nacional de Saúde Pública, Henrique Barros, vê com "preocupação" o caráter "autoritário" das medidas anunciadas esta quarta-feira pelo Governo para conter a pandemia de Covid-19, ditando o regresso do país ao estado de calamidade.
Na opinião do epidemiologista, o caminho deveria ser informar as pessoas e ajudá-las a compreender o que devem fazer, em vez de criar um clima de medo.
“Vejo com muita apreensão e preocupação o caráter muito autoritário, prescritivo destas medidas. Eu preferia que se tentasse recomendar, partilhar as preocupações, a informação, ajudar as pessoas a compreender o que devem fazer, em vez de meter-lhes medo ou ameaçá-las de que irão pagar por atitudes que possam vir a ter”, diz o especialista, em declarações à Renascença.
Entre as medidas anunciadas, António Costa fez saber que pretende pedir ao Parlamento autorização para tornar o uso de máscaras e da app Staway Covid obrigatório em determinados espaços públicos.
O epidemiologista considera “absolutamente inaceitável a obrigatoriedade de ter uma aplicação no telemóvel, que centenas de milhares portugueses nem sequer têm, para poder entrar num serviço público ou numa universidade”.
O presidente do Conselho Nacional de Saúde, que é um órgão consultivo do Governo, diz mesmo que “o recurso a medidas altamente autoritárias é muito mais a evidência de que não sabemos bem o que fazer do que a demonstração de que estamos a liderar e a ser capazes de controlar os problemas”.
A partir da meia noite desta quarta-feira ficam proibidos ajuntamentos na via pública de mais de cinco pessoas. A medida aplica-se a outros espaços de uso público e na restauração.
O executivo de António Costa vai pedir, com urgência entre esta noite e a manhã de quinta-feira, a autorização ao Parlamento para tornar uso da máscara obrigatório na via pública, em sítios mais movimentos, e a utilização da aplicação "Stayaway Covid" em alguns setores de maior risco.
Adicionalmente, o Governo vai agravar as multas até 10 mil euros para pessoas coletivas que não assegurem cumprimentos das regras.
Obrigatoriedade de usar máscara na rua é um ato “meramente autoritário”
Na visão de Henrique Barros, os números estão a agravar-se “porque perdemos algum medo, estamos mais juntos, não usamos as máscaras nas situações em que devemos usar” – sobretudo no caso dos mais jovens, onde os números estão a aumentar particularmente.
Isto não se resolve com o uso obrigatório de máscara na rua, considera o especialista.
"Não é quando vou sozinho na rua, sem ninguém ao meu lado. É um ato meramente autoritário ter de usar uma máscara de que não preciso e que depois tiro ao chegar a casa, que é onde vou infetar, a maior parte das vezes”, lembra.
O também presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto diz que o “essencial começa a ser esquecido”.
“As pessoas estão a ir trabalhar com sintomas. Porque elas próprias minorizam a relevância de um nariz com escorrência, uns ouvidos a doer, uma garganta que dói. Dizem que é normal, estamos no período das constipações, e fazem o diagnóstico a si próprias”.
A resposta, na sua opinião, deveria ser mais informação.
Se vou a uma festa e causo 20 infeções, posso estar a gerar 20 ou 30 mortes
O epidemiologista dá um exemplo prático com o número máximo de pessoas permitido pelo Governo para uma festa, como um casamento ou batizado.
“Se eu for uma festa com 50 pessoas e 20 forem infetadas - não é provável, é mais provável que aconteça com 100 ou mais - estas 20 pessoas, ao ritmo que estamos na transmissão da infeção, em dois meses vão gerar mil casos e estes mil casos vão gerar 20 a 30 mortes”, explica à Renascença.
“Se as pessoas perceberem isto, protegem-se a elas e aos outros. Têm é de perceber isto. Não estou a dizer que não se juntem, estou a dizer que se juntem com os cuidados necessários”, lembra.
Henrique Barros revela ainda que, daqui a duas semanas, o país deverá registar cerca de 30 mortes por dia, tendo em conta o número de infetados das últimas semanas.