"A minha casa podia ter ardido e eu não apontaria nada aos bombeiros"
12-08-2016 - 20:21
 • Isabel Pacheco

Exaustos. É como se apresentam bombeiros e populações, depois de tantos dias de luta contra as chamas. O desconhecimento do terreno, a falta de acessos e os meios insuficientes estão entre as dificuldades. Em muitos casos, valem os populares que ajudam na alimentação e mesmo para fazer frente aos incêndios. É o que mostra a reportagem da jornalista Isabel Pacheco, que esteve no terreno nos últimos dias em vários teatros de operações.

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Com as chamas a uma dezena de quilómetros do centro de Águeda, nos últimos dias o quartel dos bombeiros serviu de posto de comando de operações. Ali chegavam os pedidos de socorro, mas também a ajuda possível. Da Santa Casa da Misericórdia vinham as refeições. O leite, a água e a fruta de gente anónima.

A poucos quilómetros, em A-Dos-Ferreiros, os populares vestiam a farda de bombeiros. Clara Cruz quase viu uma empresa de bacalhau e produtos congelados a ser destruída. Valeu a ajuda dos vizinhos e de outras empresas que disponibilizaram água. “Os bombeiros não chegam para tudo”, lamentou a empresária.

Duas casas acima, João Rodrigues conseguiu salvar a residência, mas por pouco as chamas não poupavam o pastor alemão Rex. “Foi um agente da GNR que soltou o cão”, conta o proprietário, de olhar posto nos terrenos consumidos pelo fogo.

Foi assim em Águeda onde 150 operacionais travavam as chamas. Foi assim em Viana do Castelo, onde a população da aldeia de Meixedo uniu-se com cisternas, sulfatadores de vinha e tudo o que conseguiam. “Os bombeiros chegaram tarde. Não havia caminhos para a aldeia”, conta Gisela Araújo.

História semelhante foi vivida por José e Balbina Carneiro. À custa dos vizinhos, com mangueiras e a água da piscina conseguiram extinguir as chamas que rodeavam a casa. “A minha casa podia ter ardido e eu não apontaria nada aos bombeiros”, diz Balbina. “Os bombeiros não podiam de maneira nenhuma socorrer tanta gente.”

Com 45 operacionais e sem meios aéreos, não restava alternativa: acudir casa a casa. Parte dos bombeiros eram do sul do país. “Fizemos 600 quilómetros. Fomos empenhados no terreno. Chegamos aqui e não conhecemos”, lamentou Paulo Silva, chefe de uma das equipas de bombeiros.

“Devíamos primeiro dar uma volta. Saber os caminhos de fuga e conhecer as estradas”, explicou.

Mas se não há tempo para o reconhecimento do terreno, também não há para descansar. “Dormi no chão, na calçada. Acordei mais cansado do que quando me deitei”, contou outro bombeiro.

Tudo vale. É assim todos anos com os bombeiros do sul a rumarem ao norte para combater fogos que dizem não compreender. “Há situações em que a população pára o baile para dar uma salva de palmas aos bombeiros e a seguir mandam 20 foguetes para o ar. Talvez seja uma questão de mentalidade”, rematou o chefe Paulo.

Talvez seja negligência, talvez seja intencional. O certo é que há “mão humana”. A conclusão é do comandante operacional de Agrupamento Distrital do Norte, Paulo Esteves, que garante não ter outra explicação para as ignições que “começam a determinados locais e a certas horas”.

À intensidade dos ventos junta-se a desorganização da floresta, quase sempre por limpar. “Enquanto o Governo não obrigar a limpar a mata teremos estes fenómenos de quatro em quatro anos”, explica Joaquim Bugalheira, certo que a “tragédia” era já “previsível”.

Já José Maria Costa, presidente da Câmara de Viana do Castelo e presidente da Comissão Distrital de Protecção Civil, prefere a palavra “guerra” para descrever o combate às chamas que tem na população e nos bombeiros os verdadeiros soldados.