A petição online contra a deputada do Livre Joacine Katar Moreira "não tem ponta por onde se lhe pegue", defendem na Renascença o constitucionalista Reis Novais e Noronha do Nascimento, antigo presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Os autores da petição consideram que nova deputada protagonizou um "ato antipatriótico" na noite eleitoral, ao permitir que nos festejos fosse exibida a bandeira da Guiné-Bissau, o seu país de origem.
- "Atinge as raias do ridículo, mas fundamento jurídico tem zero" - Reis Novais, constitucionalista
- "Dá-me uma certa vontade de rir. Não sei se isso não é uma forma dissimulada de racismo" - Noronha do Nascimento, antigo presidente do Supremo Tribunal de Justiça
O que diz a petição?
O texto da petição sublinha que "a bandeira nacional é símbolo da soberania, unidade e integridade do país" (Artigo 11º, alínea 1 da Constituição). Lê-se igualmente que a deputada eleita permitiu que nos festejos fosse exibida a bandeira da Guiné-Bissau.
A petição cita, depois, o Artigo 12º onde se refere que "todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição".
Sublinha, também, que, segundo a Lei nº34/87, "quem atente contra a Constituição (...) ainda que por meio não violento nem de ameaça de violência, deve ser punido com pena de prisão".
A petição conclui que "o comportamento da suposta cidadã, Joacine Katar Moreira, fica em causa por verificar um ato antipatriótico".
O que dizem os juristas?
Na leitura do constitucionalista Reis Novais, contactado pela Renascença, "as pessoas são livres de fazer as petições que querem, mas não posso deixar de dizer que, sendo isso legitimo, aquilo que vem alegado não tem consistência absolutamente nenhuma, não tem nenhum fundamento. Digamos, numa linguagem mais simples, que não tem ponta por onde se lhe pegue, porque não há nenhum argumento jurídico, absolutamente nenhum, que possa ser invocado contra aquilo que se passou. Essas tentativas de procurar exercer coação sobre as pessoas para limitar os comportamentos, essas sim é que são condenáveis".
Mas, à luz da Constituição da República, no capítulo em que se fala da bandeira, da pátria e dos deveres, haverá alguma limitação relativamente a um político que tenha nascido noutro país (ele ou outra pessoa que esteja nos festejos) apresentar a bandeira de um outro país? Absolutamente nada, absolutamente nenhuma, responde Reis Novais.
"A pessoa está contente, está a festejar, está ligada ao seu país que, no caso era a Guiné-Bissau, e quer usar a bandeira da Guiné-Bissau para manifestar o seu regozijo pela eleição de uma outra pessoa, porque é que não o há de fazer?"
Em síntese, Reis Novais sustenta que "os argumentos constantes da petição "atingem as raias do ridículo, do inadmissível, mas fundamento jurídico, ou juridico-constitucional, tem zero. A nossa Constituição é a Constituição de um país livre".
Semelhante é a conclusão deixada na Renascença por um antigo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento: "tenho uma certa vontade de rir em relação aquilo que me está a contar. Quero dizer, não sei se isso não será uma forma um pouco dissimulada de racismo. Está a dizer-me que a bandeira foi agitada por alguém que estava atrás dela, ou seja: não foi por ela. Ora bem, mesmo sendo o próprio, repare, uma pessoa pode ter dupla-nacionalidade, pode até ter perdido a nacionalidade do país onde nasceu e manter a afetividade em relação a ele...mesmo tendo adquirido uma outra nacionalidade".
Noronha do Nascimento esclarece ainda: "sem haver uma manifestação explicita de repúdio da candidata em relação ao país porque foi eleito não vejo que significado tem uma coisa destas. Se houver um candidato eleito que, depois, em declarações ou factos concretos por si praticados, manifeste uma animosidade em relação a um país onde quer exercer funções políticas, isso compreendo. Agora isto? Ainda por cima a bandeira terá sido agitada por um terceiro.”
Noronha do Nascimento conclui: "Acho que isto é uma forma encapotada de racismo, provavelmente. Não fala de raça (a petição) porque é uma palavra que ninguém quer usar hoje. Aliás a palavra raça, até ao século XIX nunca designava o homem…designava os animais".