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Com o fim do estado de emergência este fim de semana, Portugal vai entrar agora em estado de calamidade. Foi o que anunciou o primeiro-ministro, António Costa, na quinta-feira, apresetando um calendário para o desconfinamento gradual, que será reavaliado a cada 15 dias.
Portugal não é, contudo, o primeiro país a sair do confinamento total. A Renascença falou com pessoas em quatro países europeus que já estão em processo de reabertura para ver como poderá ser o percurso.
Com cerca de metade da população de Portugal, a Dinamarca nunca chegou a declarar confinamento total, mas fechou a grande maioria dos serviços. A Áustria e a República Checa têm populações semelhantes a Portugal e já estão numa fase mais adiantada e, finalmente, a Polónia tem cerca de quatro vezes a população portuguesa mas conseguiu controlar melhor o surto e por isso também já anunciou medidas de abertura.
O Governo português e o Presidente da República já foram claros ao dizer que se houver algum retrocesso no combate à pandemia as medidas serão imediatamente invertidas. Mas se estes quatro países forem exemplo, uma ligeira abertura não fará piorar os números de infetados e mortos devido à Covid-19.
Dinamarca: As pessoas fizeram a sua própria quarentena
No Reino da Dinamarca o confinamento dos cidadãos foi em larga medida autoimposto.
José Rodrigues, conhecido como Zeca, é futebolista e um dos capitães do FC Copenhaga, um dos principais clubes do país. O atleta explica que “houve aqui uma semana em que toda a gente esteve em casa e fez a sua própria quarentena, mas com a possibilidade de poder sair à rua. Ainda assim não se via muita gente na rua porque tinham medo e então essa semana foi uma semana em que as pessoas, por iniciativa própria, ficaram em casa.”
O cenário mudou há cerca de uma semana. “As coisas estão a abrir devagar, mas os restaurantes e cafés continuam fechados, como os centros comerciais. Só abriram pequenos negócios como cabeleireiros e mais algumas lojas, mas de resto está tudo como estava antes, não mudou grande coisa.”
A decisão foi pacífica, tanto política como socialmente, e deveu-se ao facto de os números de mortos e de infetados estarem controlados. Com metade da população de Portugal, na Dinamarca morreram menos de 500 pessoas vítimas de Covid-19 até agora.
“Na realidade os números têm sido bons e por isso é que o Governo decidiu começar a abrir as coisas pouco-a-pouco, porque há muito tempo que os números não sobem e os mortos também não sobem e então o Governo tomou a decisão de começar a abrir mais cedo do que outros países.”
Desportivamente, e ao contrário do que se passou em Portugal, os treinos continuaram, sempre respeitando o distanciamento social, mas só no dia 10 de maio é que o jogador saberá se, e quando, volta a competir. Também ao contrário de Portugal, Zeca não tem conhecimento de casos dramáticos de falta de dinheiro entre jogadores.
“Tenho visto que em Portugal isto afetou muitos clubes e dificulta a vida dos clubes e dos jogadores, porque não é fácil aos clubes pagar aos jogadores nesta altura, ainda para mais clubes que não têm tanto dinheiro, e não é fácil para os clubes nem para os jogadores ficarem sem receber nesta altura e não saber o que pode acontecer nas suas vidas.”
“Aqui na Dinamarca não tenho conhecimento de nada parecido, mas nós já acordámos com o clube fazer uma redução de salários. Aqui aparentemente as coisas estão tranquilas e os clubes estão organizados e têm uma boa estrutura para continuar a pagar aos jogadores.”
Áustria: Tudo a correr como previsto e planeado
Nádia Monteiro vive em Viena há cerca de dois anos e é educadora social. Foi lá que viveu toda esta fase de pandemia e viu o Governo decretar a abertura de alguns serviços a partir do dia 14 de abril.
A primeira abertura foi cautelosa, mas os números não pioraram. “Os números de novas infeções têm-se mantido sempre baixos e sempre numa linha decrescente, sempre abaixo de 100 infeções diárias, por isso agora não tem havido um efeito negativo. Está a correr tudo como previsto e como planeado”, diz.
“Ainda não voltou tudo ao normal e segundo o discurso do Governo ainda estamos longe desse cenário de normalidade. O que abriu foram apenas as lojas de bricolage, e espaços comerciais até 400 m2, ou seja, praticamente lojas de rua. As lojas de centros comerciais não estão abrangidas nesta medida.”
“Agora há a perspetiva de gradualmente abrir mais espaços comerciais e além dos espaços comerciais o regresso à escola e, num futuro, talvez os museus também, assim como alguns espaços comerciais como restaurantes e bares, mas está a ser feito o regulamento para que sejam cumpridas todas as normas de segurança”, incluindo o uso de máscaras, explica ainda esta portuguesa radicada na Áustria.
Nádia Monteiro trabalha sobretudo com crianças com necessidades especiais, incluindo com autismo, e relata que tem sido difícil para algumas delas habituarem-se à nova realidade.
“Há crianças que conseguem entender o que se está a passar, mas há crianças que não entendem e não têm noção real do que se está a passar, e essas são mais difíceis de controlar quando estamos nos espaços públicos. Também há um medo acrescido nalguns jovens de toda esta situação, mas penso que esta fase de adaptação foi mais nas primeiras semanas de isolamento.”
Agora, diz Nádia, "as crianças e jovens já se adaptaram às dinâmicas atuais". "Já sabemos que podemos sair de casa para passear, apenas. Sabemos que devemos evitar a proximidade com outras pessoas, isso agora já é mais fácil. Sabemos que os parques estão fechados e não podemos ir lá. Atualmente já não sinto essa dificuldade por parte quer das crianças, quer dos jovens com necessidades educativas especiais, com quem trabalho. Tudo isto foi feito em colaboração com os pais e com as escolas e foram definidas estratégias para tentar criar uma dinâmica quotidiana para os jovens, minimamente normal dentro do cenário atual.”
As escolas na Áustria ainda não abriram, mas já há data marcada. A partir de 18 de maio as crianças regressam às aulas, mas de forma faseada. “Metade dos alunos vão de segunda a quarta-feira e ficam quinta e sexta em casa, a outra metade vai na quinta e sexta e na semana seguinte alterna. Ou seja, vão estar sempre metade na escola e metade em casa, para haver uma maior segurança e uma maior eficácia das medidas.”
República Checa: Normal? Ainda estamos longe disso
Leonor Conceição é uma dos muitos portugueses que está a estudar medicina na República Checa, um país com população quase idêntica à de Portugal que, no total, registou 227 mortos até agora.
As primeiras medidas de abertura foram anunciadas para 8 de abril e recentemente o Presidente decidiu não renovar o estado de emergência que vigoraria até ao final do mês.
“Desde que a decisão foi tomada o número de novos infetados tem vindo a descer. Quanto ao número de mortos, houve altos e baixos no princípio, mas reduziu drasticamente nos últimos dias. Por isso o efeito não se pode considerar negativo, antes pelo contrário.”
Apesar de tudo, o processo é gradual e a normalidade ainda está muito distante. “Ainda não voltou tudo ao normal, ainda estamos muito longe disso. Mas já há algumas atividades a reabrir e sente-se grande diferença. No dia 27 abriram lojas e ginásios, mas sem acesso aos balneários. Abriram as escolas de condução e já são permitidas celebrações religiosas, com um máximo de 15 pessoas. Depois, dia 11 de maio, vão abrir restaurantes, bares e cafés mas exclusivamente com serviço take away, e reabrem cabeleireiros, museus e galerias, etc. A partir desse dia as celebrações religiosas passam a poder ter 30 pessoas. No dia 25 de maio reabrem restaurantes, cafés, centros comerciais, hotéis, teatros e cinemas. Mas mesmo com estas atividades todas a retomar é obrigatório o uso de máscara e manter o distanciamento social de dois metros.”
Leonor atribui à disciplina e ao rigor dos checos o sucesso do combate à proliferação da Covid-19. “No dia 12 de março começou o estado de emergência nacional e o distanciamento e confinamento social foram seguidos à risca. Ninguém saía de casa a não ser para ir ao supermercado, farmácia ou passear o cão. A cidade, de um dia para o outro, parecia fantasma, as pessoas na rua, que eram muito poucas, estavam com máscara. Nas filas mantinha-se mesmo a distância de segurança de dois metros entre cada pessoa, nos transportes públicos as pessoas sentavam-se a uma distância enorme umas das outras, a desinfetarem-se com álcool quando saíam, ou a usar luvas.”
Contudo, teme que com o fim das medidas mais extremas alguns grupos socias passem a ignorar os cuidados básicos. “Sinto que desde que as restrições estão a ser levantadas – e já se podem juntar grupos, ir a parques e fazer piqueniques – vejo que muitos grupos de amigos se juntam em sítios públicos sem grandes cuidados. Tiram a máscara para comer, beber e fumar, não respeitam o distanciamento social”, alerta.
Polónia: O Governo reagiu mais depressa
Natalia Telega-Soares nasceu na Polónia mas vive agora em Portugal. Mantém, contudo, contacto estreito com amigos e familiares e vai acompanhando o estado do combate à pandemia em ambos os países.
“O Governo polaco traçou o plano de descongelamento de economia e levantamento de restrições dividindo-o em quatro etapas. A primeira etapa teve lugar no dia 20 de abril, com abertura de florestas e parques. Nesse mesmo dia foi permitido que pudessem entrar mais clientes nas lojas”, diz.
“No dia 27 de abril o Governo anunciou que nos dias seguintes ia haver um levantamento de mais restrições, e ponderou a possibilidade de juntar as etapas 2 e 3. O que é certo neste momento é que a decisão será tomada brevemente no que diz respeito à abertura dos hotéis, grandes superfícies com material de construção, ou algumas instituições públicas. Está a ser negociada a abertura de centros comerciais, porém sob condição de manter medidas higiénicas muito importantes. A introdução de cada uma das etapas dependerá de dados do Ministério de Saúde, que vai monitorizar o número de novos contágios. Se este vier a subir, o Governo não descarta a possibilidade de atrasar a introdução das novas etapas de levantamento de restrições.”
Natália acredita que algumas das mudanças de comportamento que se têm adotado poderão ser para ficar. “Uma destas mudanças será ligada a questões de higiene, soluções nas empresas, escolas e instituições, talvez com maior atenção à necessidade de desinfetar mãos e outras formas de pagamentos”, acrescenta.
Um dos pontos que na Polónia motivou maior consternação foi a questão do culto religioso. Inicialmente os bispos propuseram-se a aumentar o número de missas, para evitar aglomerações, mas acabaram por suspender as celebrações com público.
“As Igrejas chegaram a fechar, mas este passo foi cuidadosamente negociado com o episcopado polaco que, no início de pandemia, apelou aos fiéis para que estes se mantivessem em casa em vez de se deslocarem às igrejas. A partir do dia 20 de abril, ou seja, na primeira etapa de levantamento de restrições, as Igrejas abriram, sendo que podem admitir uma pessoa por 15 metros quadrados”, diz Natalia.
Apesar de ter uma população cerca de quatro vezes superior à portuguesa, na Polónia morreram menos pessoas do que em Portugal. Natalia Telega-Soares diz que a disciplina dos polacos foi um fator importante.
“Tal como em todo o mundo, também na Polónia a pandemia virou a vida de cidadãos do avesso. Com os negócios, empresas e instituições fechadas, os polacos ficaram confinados às suas casas, cuidando das suas famílias, ajudando filhos nas tarefas escolares e trabalhando a partir da casa, quando possível. É importante sublinhar que a sociedade polaca é uma sociedade bastante disciplinada e as medidas de confinamento foram estritamente observadas. Todos compreenderam rapidamente que as restrições foram introduzidas para prevenir o cenário dramático dos países como Itália ou Espanha, pelo que a sociedade organizou-se muito bem para tentar seguir as suas vidas com o máximo de segurança.”
Neste ponto da disciplina, Natalia considera que Portugal tem o que aprender com o seu país natal. “O Governo polaco reagiu mais depressa (visto que o primeiro caso confirmado na Polónia foi no dia 4 de março) e introduziu logo normas bastante rigorosas, encerrando as fronteiras, instituições, escolas, proibindo os jovens até aos 18 anos de idade de sair à rua, estabelecendo horários especiais para idosos poderem fazer as suas compras. Em Portugal o Governo pareceu-me ficar demasiado tempo à espera de introduzir as restrições mais drásticas.”
“Também fico com a sensação que a sociedade portuguesa tem mais dificuldade em permanecer em casa e seguir as normas, embora, em geral, lide bastante bem com toda a situação. Se Portugal tem algo a aprender com o exemplo polaco é de não ter medo de reagir de uma forma decidida logo no início da crise.”
Mas, acrescenta logo, a Polónia também tem algo a aprender com Portugal. “É admirável a solidariedade dos políticos de esquerda e de direita no que diz respeito ao esforço para lutar contra o inimigo comum. Isso, infelizmente, não se pode dizer sobre a Polónia, onde a classe política, mesmo nos momentos mais dramáticos, não tem vontade de fazer as pazes em prol da sociedade.”