“Não são claras as consequências do assassinato do general Soleimani (líder dos “guardas revolução” iranianos), mas o que parece certo é que Trump não as ponderou devidamente”. Esta frase do jornal britânico “Guardian” é, porventura, o mais importante motivo para recearmos o que pode acontecer depois desta violenta escalada no confronto dos EUA com o Irão.
Esse confronto começou há quarenta anos, pouco depois da queda do Xá da Pérsia, quando neste país (agora geralmente chamado Irão) se instalou uma feroz teocracia islâmica xiita. Poucos americanos terão esquecido a humilhante manutenção de dezenas de reféns americanos, muitos deles diplomatas, presos dentro da embaixada dos EUA em Teerão em 1980/81 durante mais de 400 dias. Humilhação acentuada pela tentativa falhada de os libertar, numa operação ordenada pelo presidente J. Carter e cujo insucesso lhe terá custado a reeleição.
Depois, o Iraque desencadeou uma guerra de oito anos contra o Irão, tendo então os EUA apoiado Saddam Hussein, o ditador iraquiano – esse mesmo que viriam a liquidar na sequência da fatídica invasão americana do Iraque em 2003. O colapso do Estado iraquiano foi aproveitado pelos xiitas iranianos para aumentarem a sua influência no predominantemente sunita Iraque. Com o general iraniano Soleimani foi também morto um dirigente da coligação de grupos paramilitares pró-iranianos no Iraque.
Terão partido desses grupos ataques recentes a instalações militares americanas em Kirkurk, no Iraque. Os americanos ripostaram com ataques aéreos a bases do Hezbollah ao longo da fronteira com a Síria. E foram adeptos de Irão que cercaram e apedrejaram a embaixada americana em Bagdade – causa próxima da decisão de Trump de eliminar o líder dos “guardas da revolução”.
Os “guardas da revolução” são a ala mais ditatorial e fundamentalista da teocracia que manda no Irão. A saída dos EUA do acordo sobre o nuclear iraniano enfraqueceu o que parecia ser uma tendência reformista, encabeçada pelo atual presidente Rohani. A escalada militar entre os EUA e o Irão praticamente liquidou a hipótese de uma evolução democrática neste país.
É possível que um certo eleitoralismo tenha também pesado na recente decisão de Trump, sempre empenhado em se distinguir do seu antecessor Obama (que recusou mandar matar o general Soleimani, tal como Bush filho). Mas as consequências geoestratégicas da escalada apontam para um sério agravamento dos conflitos no Médio Oriente.
Ali, com a colagem de Trump à Arábia Saudita e a Israel – ou, melhor, a Netanyhau – nada se avançou na direção da paz, pelo contrário. E, neste momento, o líder da Coreia do Norte mostra-se tão agressivo face aos EUA como há três anos; só que agora Kim Jong-un tem mais armas nucleares e mísseis de mais longo alcance. O mundo entrou perigoso na nova década.