Cerca de 90% dos jovens e adolescentes internados nos Centros Educativos têm pelo menos um diagnóstico de doença psiquiátrica. Tiago Sousa é coordenador da Psiquiatria do Hospital Prisional de Caxias e acompanha três Centros Educativos em Lisboa e, à Renascença, diz que "a grande maioria são perturbações da conduta com grande irritabilidade e impulsividade e não doenças psicóticas graves para o resto da vida".
O mesmo profissional lembra que "a personalidade vai sendo moldada com as vivências que os jovens têm, havendo também uma componente genética" e sublinha que é preciso identificar bem quem tem perturbações mentais, para que se possa fazer uma boa e correta reabilitação.
Um dos Centros Educativos acompanhado por este médico é o da Bela Vista, em Lisboa, que neste momento alberga 24 jovens internados a prestar contas à justiça por crimes relacionados com furto, roubo, ofensas à integridade física e tráfico de estupefacientes. O Centro dispõe dos cursos de jardinagem e de cozinha e o internamento pressupõe quatro fases. A média de idades nesta altura ronda os 16 anos.
"Muitos deste jovens têm uma dificuldade enorme em dormir, em descansar, e acaba por ser uma bola de neve de estruturação mental. Vão usando substâncias e começam a viver numa roda vida que é difícil de travar. Sem exemplos na família, na maioria das vezes andam perdidos’, sublinha o psiquiatra.
Perturbações de ansiedade, pânico, perturbações de humor, fobia social, hiperatividade, desatenção são alguns dos problemas mais comuns. "Os pedopsiquiatras acabam, muitas vezes, por não querer fazer diagnóstico precoce porque os adolescentes estão ainda em fase de desenvolvimento", refere Tiago Sousa. "Às vezes há perturbações do desenvolvimento cerebral que podem conduzir a deficiências, autismo e comportamentos obsessivos compulsivos", acrescenta.
Tiago Sousa visita os Centros uma vez por mês, ou sempre que exista alguma situação de emergência. Trabalhou toda a vida com adultos e abraçou recentemente este projeto de trabalho com jovens. "Nalgumas situações, as palavras que são ditas fazem uma diferença maior do que nos adultos e isso faz grande diferença na vida deles. Aquilo que estavam a fazer levou-os a cumprir uma pena. É fácil demonstrar que a vida não lhes está a correr muito bem e que isso pode ser mudado e aquilo que noto é que é a primeira vez que alguém lhes diz isto."
De entre os 24 jovens atualmente internados no Centro de Educativo da Bela Vista, na Graça, entre oito e nove estão sujeitos a medicação para controlo e apenas um ou dois têm medicação mais pesada, explica à Renascença José Reis, o diretor daquele centro.
"Estão todos controlados", diz. "Um desses jovens até está prestes a sair e poderá vir a trabalhar. O problema da saúde mental não é impeditivo da reintegração no exterior."
Para começar, "todos os jovens que entram no Centro Educativo chegam com avaliação psicológica, com relatórios ou perícias já feitas", ou seja, os profissionais que os recebem já sabem, à partida, que têm problemas mentais com certa gravidade. O acompanhamento é, por isso, definido desde a primeira hora.
Quanto à recomendação da Provedoria de Justiça para que os jovens com problemas mentais sejam separados dos restantes, José Reis não concorda totalmente.
"Só admito separação quando o caso de saúde mental é grave, crises sistemáticas, descontrolado, colocando-se e aos colegas em risco. Aí sim, considero um enquadramento especial, mas neste momento, aqui, todos os jovens têm condições para viver em conjunto. É também benéfico conviverem, porque temos de ser solidários e saber viver com as dificuldades dos outros."
João Mourão é enfermeiro na área da saúde mental e também trabalha no Centro Educativo da Bela Vista. O que a experiência lhe mostra é que "as doenças mentais tendem a aumentar" e, pior, "esta é uma área que sempre teve carência de profissionais".
Os Centros Educativos, ressalta, "deviam ter enfermeiros especialistas em saúde mental, mas não há muitos, é uma realidade, e às vezes é difícil gerir isso. Alguns jovens já vêm medicados, outros identificamos problemas e são atendidos por um psiquiatra que vem aqui uma vez por mês, o que é pouco. As situações mais graves são enviadas para o Hospital D. Estefânia", adianta.
No início deste ano, a Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, mostrava-se preocupada com a realidade da saúde mental nos Centros Educativos e criticava o facto de haver “menores doentes ao cuidado do Estado, sem que lhes fosse atribuído tal estatuto” por não existirem opções válidas de tratamento. Então, exortou a Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) a instalar, em definitivo e ainda este ano, a Unidade Terapêutica para casos agudos de perturbações psicopatológicas, que está sem sair do papel há mais de quatro anos.
Em resposta à Renascença, a DGRSP diz que "está a preparar um projeto de criação de uma Unidade Diferenciada num Centro Educativo de Lisboa, para casos agudos com perturbações psicopatológicas, que designa de Unidade Terapêutica". No âmbito desse plano, ainda por concretizar, o organismo "está a estabelecer a articulação com o Programa Nacional para a Saúde Mental, para a realização de um estudo atualizado acerca da prevalência de problemáticas de saúde mental na população de jovens internados em Centros Educativos, definindo-se as necessidades ao nível dos recursos a envolver e as necessárias articulações com o Serviço Nacional de Saúde (SNS)".
Os Centros Educativos
Ao todo são seis e no início deste ano acolhiam 149 jovens, na sua grande maioria do sexo masculino. No total, 126 adolescentes eram acompanhados em consultas de psicologia e 90 acompanhados em consultas de psiquiatria (79 rapazes e 11 raparigas), sendo que há jovens seguidos em simultâneo nas duas consultas.
Aponta a DGRS que, "na área da adolescência não são efetuados diagnósticos de perturbação psicopatológica", ou seja, na consulta de saúde mental, já que os jovens se encontram "ainda numa fase de construção da sua personalidade".
No entanto, na última avaliação efetuada, concluiu-se que cerca de 74% dos jovens são seguidos em consulta de psicologia, quer pelos psicólogos dos Centros Educativos quer por psicólogos da comunidade. E destes, alguns estão também com consulta de pedopsiquiatria/psiquiatria, acompanhados pelo psiquiatra da DGRSP ou por clínicos do Serviço Nacional de Saúde.
Quantos pedopsiquiatras existem em todo o sistema de Centros Educativos?
Os Centros Educativos (CE) da área de Lisboa dispõem do psiquiatra Tiago Sousa em consultas semanais. No entanto, alguns jovens são também seguidos pelo SNS, designadamente os que já tinham essa acompanhamento antes de darem entrada no CE.
No CE Santa Clara, em Vila do Conde, as consultas de pedopsiquiatria são asseguradas no Hospital Pedro Hispano e na Unidade de Saúde Familiar de Matosinhos. No de Santo António, no Porto, os jovens são acompanhados em pedopsiquiatria no Centro Hospitalar do Porto, nomeadamente no Serviço de Pedopsiquiatria - Departamento da Adolescência.
Já no CE dos Olivais, em Coimbra, o apoio é prestado por recurso a contrato de prestação de serviços de Psiquiatria e Pedopsiquiatria.
Chamadas telefónicas para o exterior
No início do ano, a Provedora de Justiça recomendou que as comunicações telefónicas com o exterior fossem aumentadas na duração e frequência.
Nesse sentido, o Centro Educativo da Bela Vista alargou o tempo e o número das chamadas. O diretor José Reis afirma que, "antes da visita da Provedoria, estavam já a rever o regulamento interno e tinham aumentado a duração das comunicações e aumentaram depois também a frequência dessas chamadas". No fundo, passaram agora a ser seis comunicações por semana entre as realizadas e as recebidas. "Para além disso, também já está disponível o Skype para comunicações com imagem", adianta o responsável.
E com quem podem falar os jovens? "Quando é feita a avaliação do adolescente, o técnico tutor começa a trabalhar com ele e analisa-se se é uma mais-valia o jovem contactar com determinada pessoa e que efeito tem na vida dele."
Estes contactos são muito ansiados pelos jovens. "Faço as minhas chamadas todas", confessa um deles à Renascença. "Falo com a minha avó, ela diz para me portar bem para poder continuar a minha vida. É uma pessoa fundamental para mim." Outro dos adolescentes adianta: "Falo com a minha namorada, com o meu pai e a minha irmã. Sinto-me melhor e deito-me de consciência tranquila. E digo-lhes que está tudo bem para eles ficarem descansados."