Na vila do Alvito, no Alentejo, vivem Ibraim, Mouazz e Ahmad. São três jovens sírios que, todos os dias, recebem o almoço e o jantar que vem na carrinha do Centro Social e Paroquial de Vila Nova de Baronia.
Ahmad chegou ao Alvito em Maio e veio para Portugal ao abrigo do programa de recolocação da União Europeia. O concelho alentejano tem pouco mais de 2. 500 habitantes e alguns são estrangeiros, de 12 nacionalidades diferentes, entre elas a China, Ucrânia, Alemanha, Itália, Brasil, Bélgica e Reino Unido.
Agora tem mais três jovens sírios e o presidente da Câmara nem pensou duas vezes quando começou a ouvir as notícias de que Portugal ia acolher refugiados ao abrigo do programa de recolocação da União Europeia.
António João Valério disponibilizou-se para receber refugiados e diz que “tem sido um trabalho de solidariedade, uma união de vontades entre as várias instituições do concelho”.
Na prática, Ibrahim, Mouazz e Ahmad vivem numa casa do centro social e paroquial de Vila Nova de Baronia que fornece também as refeições. Ao todo serão gastos 18 mil euros nestes 3 refugiados sírios. É uma quantia que dará para para um ano e meio.
Mouazz e Ibrahim só falam árabe, enquanto Ahmad fala um pouco de inglês. Conheceram-se no campo de refugiados na Grécia.
Ahmad tem 22 anos e é de Aleppo, onde deixou toda a família, os pais e oito irmãos e resolveu fazer uma viagem de 10 meses sozinho. Uma viagem longa, com percalços, como a passagem pela Turquia, em Istambul, e em Esmirna, onde teve problemas com a polícia. De resto, Ahmad chegou a estar detido sem que lhe tenham dado qualquer explicação. Depois seguiu viagem para a Grécia onde ficou três meses num campo de refugiados. Nunca tinha ouvido falar de Portugal, mas informou-se através da Internet.
Nos últimos dias a cidade de Aleppo foi atingida por vários bombardeamentos e Ahmad esteve 4 dias sem conseguir contactar com a família. As saudades são muitas - dos pais e dos irmãos - mas estes que o convenceram a fugir da guerra. E Ahmad não pensa, para já, regressar à Síria. Gosta de estar em Portugal, gosta do Alentejo, da praia de Melides, das pessoas, da comida, do cante alentejano e do som da viola campaniça. Está há 4 meses no Alvito e já consegue falar um pouco de português. O sonho é ficar por cá a trabalhar.
Os três jovens já são conhecidos na terra. Quando chegaram em Maio, a primeira coisa que fizeram foi visitar o concelho, a Câmara, os correios e as escolas, como relata Ana Caeiro, técnica na Câmara Municipal do Alvito. Lembra que “cada um deles tem uma história de vida e não foi fácil contar o que se deixou para trás”.
Ana Caeiro acompanha muito de perto o dia-a-dia destes três jovens e diz que, agora, “o essencial é aprender a falar bem o português e entrar na escola” porque “se ficam em casa, só falam árabe entre eles”.
Fernanda Dâmaso é a professora de Português e aceitou o convite do presidente da Câmara para - como voluntária - ensinar o Português. Já andou por todo o mundo, trabalhou durante anos na cooperação em África, e agora integra missões de observação eleitoral da União Europeia.
Para além de ensinar o Português em 3 aulas por semana, Fernanda Dâmaso está empenhada na integração dos jovens na comunidade. E quer dar a conhecer à população do Alvito o drama dos refugiados e a crise que está a afectar milhares de pessoas.
A chegada dos três jovens sírios envolveu várias instituições, voluntários, mas, para a assistente social da Câmara, Lídia Mestre, “tem sido um trabalho de aprendizagem”. Foi ela que tratou de todas as burocracias, do pedido de autorização de residência e pedido de asilo, no SEF em Beja, do cartão de contribuinte nas Finanças, da inscrição na Segurança Social, no Centro de Emprego e no Centro de Saúde.
Enquanto vão dando os primeiros passos na língua portuguesa, Ahmad já vai sabendo algumas palavras. Já vai sabendo, por exemplo, todos os ingredientes para confeccionar o “Kebab”. Precisamente o prato que ele vai levar para o encontro multicultural organizado pela autarquia.
10% dos refugiados que Portugal acolheu já saíram do país.
A repórter Manuela Pires entrevistou o ministro-adjunto Eduardo Cabrita. Ele garante que, a partir de agora, vão começar a chegar mais refugiados, mas que alguns deles já abandonaram o país. Já quanto à meta dos 160.000, o ministro-adjunto assume que o programa teve vários problemas, mas este tem de ser um desafio europeu.
A UE vai conseguir cumprir os objectivos que estabeleceu para o seu programa de recolocação de refugiados?
O fundamental não é estabelecermos fasquias, é estabelecermos que o acolhimento é um desafio europeu. A posição de Portugal tem sido de participar activamente na promoção de uma resposta europeia a esta crise: assumimos o compromisso de receber perto de cinco mil pessoas no âmbito deste programa de recolocação, que teve vários problemas, mas tem tido uma evolução mais intensa desde Março, devido a uma significativa adesão ao registo na Grécia e ao fecho da rota dos Balcãs.
Portugal continua a ser o Estado-membro que recebe mais refugiados?
Temos oscilado entre o segundo e o quarto lugar, consoante a actualização da estatística europeia. Portugal, Holanda, França e Finlândia são dos que se destacam pela participação neste processo. Mas, desde Janeiro, o registo da entrada em Portugal aponta para mais de 1.100 refugiados, contando com a recolocação da União Europeia, o processo de reinstalação a partir da Grécia, os refugiados que recebemos no âmbito do programa do ACNUR e os pedidos espontâneos.
É feita alguma selecção nos campos de refugiados?
É proibido qualquer selecção. O que é possível é a divulgação da disponibilidade de Portugal, aumentando a informação sobre um país que, para quem vem da Síria, do Iraque ou da Eritreia, não é o país mais conhecido.
Como vai ser distribuído o “kit” do refugiado lançado recentemente pelo Governo?
Vai ser entregue aos que já cá estão, aumentando o conhecimento quer sobre os direitos (o acesso à educação, saúde, à habitação, ao apoio social), quer o conhecimento genérico sobre Portugal (cultura, informação turística). Mas este “kit” também vai ser distribuído a todos aqueles que na Grécia e em Itália estão sinalizados para viajarem para Portugal.
Polónia, Áustria e Hungria não receberam nenhum refugiado e a Eslovénia, que preside à UE, acolheu apenas um. É uma situação que ainda pode ser alterada?
Há situações distintas. No âmbito das chamadas entradas desorganizadas, espontâneas, do ano passado, houve três países que se destacaram pelo elevadíssimo número de refugiados que acolheram: em primeiro lugar, a Alemanha, mais de um milhão; depois, a Suécia, com 160 mil, e a Áustria, com 120 mil. Portugal entende que este deve ser um esforço de todos e a posição de alguns países representa a negação da Europa da liberdade e da solidariedade em que acreditamos.
As seis centenas de refugiados que Portugal acolheu ainda estão todos no país?
Alguns já saíram. Somos um país livre e estas pessoas não estão detidas. Os abandonos do programa têm uma dimensão inferior a 10%, o que não tem especial dramatismo. Há, aliás, quem saia e regresse, porque vai visitar familiares que estão noutros países, e há saídas sobretudo de jovens isolados. Já as famílias tendem a consolidar a sua estadia em Portugal.
A Câmara do Alvito acolheu três jovens sírios. Chegaram em Maio e só quatro meses depois foi transferido o dinheiro. Por que razão demorou tanto tempo?
O fundo europeu que financia estes processos de recolocação tem procedimentos que têm de ser melhorados. É por isso que tomámos uma decisão de aumentar de quatro mil para seis mil euros o apoio dado a menores. Temos vindo a criar condições para que esse fundo funcione com a maior celeridade e é verdade que houve alguns problemas iniciais, mas hoje todas essas situações estão regularizadas.
Existiu uma articulação com as autarquias para evitar concentrações. Nesta altura, elas ainda se disponibilizam para acolher refugiados?
Não queremos levar a uma concentração excessiva, que promova a criação de potenciais guetos ou situações de conflito. Com o aumento da eficácia, nomeadamente das autoridades gregas, estamos a prever nos próximos meses duplicar o número de refugiados [em Portugal] até ao final do ano. Fazemos um apelo a uma segunda vaga de disponibilidade.
Quais são os maiores problemas de integração?
Num primeiro plano, a língua, a aprendizagem do português para os adultos e integração no sistema educativo. Numa segunda fase, o reconhecimento das qualificações académicas e o acesso ao mercado de emprego. Num mundo ideal, o desejável seria que estas pessoas retornassem aos seus países de origem, mas, como a guerra não cessa, grande parte destas terá de encontrar em Portugal a base de uma nova vida.