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Um padre missionário português que esteve vários anos na China, de forma encapotada, diz à Renascença que o estabelecimento de um acordo entre a China e o Vaticano sobre a nomeação de bispos para aquele país é um cenário improvável.
O sacerdote, que prefere não dar o nome, uma vez que a sua ordem mantém outros membros naquele país, admite que um acordo poderia ser positivo, mas revela-se cético de que esteja tão iminente como algumas fontes indicam.
“A perspetiva do Vaticano parece ser que estas duas comunidades consigam se unir e trabalhar em conjunto, para o bem da Igreja na China. Conhecendo um pouco da realidade, não sei qual é a perspetiva do governo. Tenho muitas dúvidas se no Governo chinês existe vontade em querer assinar um acordo para cumprir, se não quer assinar um acordo para daqui a algum tempo poder acusar Roma de não estar a cumprir, porque é impossível cumprir o acordo”, diz.
“Eu sou muito cético em relação a isto, só acredito quando ver dito expressamente, não só pelo Vaticano mas da parte da China e que os dois lados até concordam que os termos do acordo são iguais, então de facto eu acredito que há acordo. Até lá tenho dúvidas”, diz.
Um acordo com contrapartidas
Ao longo dos últimos meses, tem sido falada com insistência na possibilidade de um acordo entre a China e o Vaticano sobre a nomeação de bispos para aquele país, o que permitiria normalizar a vida da igreja, atualmente dividida entre comunidades leais a Roma e ao Governo.
Atualmente, Pequim exige o direito de nomear os bispos para a China, algo que o Vaticano não aceita. Nos últimos anos, alguns bispos têm sido nomeados com o acordo de ambas as partes, mas há ainda vários casos de bispos reconhecidos apenas por um lado. Os que são ordenados sem mandato papal são, por norma, excomungados e os que são ordenados sem autorização do Governo arriscam ser presos.
Nada é certo nem confirmado, mas os dados que têm surgido em órgãos de imprensa normalmente bem informados nesta área apontam para um acordo que daria ao Papa a última palavra sobre nomeações episcopais. A contrapartida seria a aceitação por parte de Roma de sete bispos da chamada Associação Patriótica, que regula a igreja leal a Pequim, três dos quais estão formalmente excomungados.
Duas situações em particular causaram alguma polémica. O Vaticano terá pedido a dois bispos leais a Roma, Peter Zhuang Jianjian, de Shantou, e Joseph Guo Xijin, de Mindong, que dessem lugar a dois dos bispos que seriam regularizados. No caso de Jianjian, que tem 88 anos, pede-se que resigne e no caso de Xijin pede-se que passe a coadjutor.
Uma ala da Igreja está abertamente contra qualquer cedência para com Pequim. Liderada pelo arcebispo emérito de Hong Kong, o cardeal Joseph Zen, acusa Roma de trair os fiéis da “Igreja Clandestina”, assim chamada por não ser reconhecida por Pequim.
Nem preto nem branco. Cinzento
A regularização da vida da Igreja na China é um velho sonho de Roma, mas os sinais emitidos por Pequim são contraditórios. Por um lado, é notório o esforço que tem sido feito de ambos os lados para encontrar candidatos comuns para preencher algumas das dezenas de dioceses atualmente sem bispo, mas de vez em quando surgem mais obstáculos.
“Basta ver a última assembleia da Associação Patriótica. Nas eleições voltaram a escolher para presidente um bispo que apenas é reconhecido pelo governo. Quando se pensava que também poderia haver alguma cedência da parte do governo, não houve”, diz o padre missionário, apontando ainda outros exemplos de abusos que se vão repetindo, “como quando pegam em armas e obrigam bispos com mais de 80 anos a ir ordenar um outro bispo. Também não se pode pactuar e dizer que são todos bons, não são, infelizmente não são", diz o interlocutor da Renascença.
Mas há bons cristãos na Igreja Patriótica? “Sim. E bons padres e até bons bispos. Por isso é que o Vaticano não excomungou automaticamente todos os que foram ordenados sem mandato pontifício. Há bons cristãos, como há bons sacerdotes que, de facto, querem o bem da Igreja”, insiste o padre português que, enquanto esteve na China, frequentava igrejas patrióticas, mas que nunca colaborou diretamente com bispos que não fossem reconhecidos por Roma.
A dimensão da China torna impossível fazer generalizações. A comunidade católica de Pequim é um exemplo. “Até aos Jogos Olímpicos de 2008, podia-se dizer que na capital havia duas igrejas: uma clandestina, uma patriótica. Na altura dos Jogos, o bispo, que não era conhecido pelo Vaticano, morreu e foi substituído por um reconhecido pelo Vaticano. Se, até então, nenhum chinês podia entrar nas igrejas da capital, isso mudou”, diz.
“Também há situações em que a igreja patriótica é perseguida, as igrejas são destruídas, ou confiscadas, os bispos e os padres também não têm uma total liberdade de movimentos. Há uma situação cinzenta entre as duas comunidades. Nas maiores cidades chinesas, a situação está mais ou menos tranquila, como é o caso da capital, de Shanghai e Tianjin, apesar de Shanghai ter o bispo preso. Tianjin tem os dois bispos presos, mas as comunidades de fiéis praticamente estão unidas, não há grande divergência.”
Um ângulo português?
Existem algumas razões para ter esperança de que um acordo seja alcançado de facto em breve. A China pode beneficiar em termos de imagem e o Governo, alarmado pelo crescimento exponencial de comunidades protestantes, para as quais questões como nomeações de bispos nem se colocam, pode ter interesse em melhorar as relações com Roma, pois sempre é mais fácil trabalhar com uma instituição religiosa com poder centralizado e uma estrutura hierárquica clara.
Mas por outro lado qualquer avanço nas negociações está sempre dependente dos jogos de poder internos do Partido Comunista Chinês, que naturalmente fogem ao controlo da Santa Sé.
Para o padre português, uma das vantagens evidentes para a Igreja passa pela formação do clero, até ao momento muito limitado e fortemente dependente do Governo chinês. Aí, curiosamente, uma instituição portuguesa pode ter um papel a desempenhar. A Universidade de São José, o pólo da Universidade Católica Portuguesa em Macau, já oferece cursos de formação para seminaristas e sacerdotes, muito frequentados por clero asiático.