O Presidente dos Estados Unidos nomeou, na noite de segunda-feira, o juiz Brett Kavanaugh para preencher a vaga deixada em aberto no Supremo Tribunal dos Estados Unidos pelo juiz Anthony Kennedy, que se reformou, aos 81 anos.
Kavanaugh terá agora de ser confirmado pelo Congresso antes de poder assumir funções. É certo que enfrentará grandes objeções por parte dos democratas, mas caso seja aprovado torna-se o segundo juiz nomeado durante a presidência de Donald Trump, e apenas no primeiro mandato. O seu antecessor, Barack Obama, fez duas nomeações ao longo de dois mandatos.
Quando Trump foi eleito já havia uma vaga no Supremo, após a morte do juiz Antonin Scalia, considerado o porta-estandarte da ala conservadora do tribunal. Para muitos conservadores americanos, esta foi mesmo a principal razão pela qual votaram em Trump.
“Acho que a razão principal foi o Supremo Tribunal. O Presidente indica os juízes do Supremo Tribunal e este tem de facto um grande poder”, explica à Renascença Luís Pinto de Sá, um português que vive há vários anos nos Estados Unidos e que acompanha o meio intelectual conservador católico, tendo contribuído com artigos para a prestigiada revista “First Things”.
O português sublinha a questão do aborto, omnipresente na discussão política americana, que foi legalizado a nível federal precisamente através de uma decisão do Supremo Tribunal em 1973.
“Nos Estados Unidos há um movimento pró-vida forte que está há anos a tentar que o Supremo Tribunal revogue a decisão Roe v. Wade, mas para isso seria necessária uma maioria dentro do Supremo que seja favorável ao movimento pró-vida”, explica.
Hadley Arkes, um judeu convertido ao catolicismo que escreve frequentemente para o site “The Catholic Thing”, especialista em assuntos judiciais, confirma a tese de Luís Pinto de Sá de que muitos católicos americanos “engoliram um sapo” ao votar Trump, precisamente por causa da questão do Supremo.
“Se tivéssemos tido uma administração de esquerda durante quatro ou oito anos, Scalia teria sido substituído por alguém à esquerda que seria pró-aborto, pró-casamento homossexual, todas as bandeiras da esquerda no campo da sexualidade, e que também apoiaria a extensão dos poderes federais e os ataques às instituições religiosas. E não é só o Supremo Tribunal, também preencheriam os tribunais federais com todas estas pessoas que representam e absorveram as teorias mais avançadas da esquerda académica. Não nos podíamos dar a esse luxo. As políticas ficariam de tal forma enraizadas com mais quatro ou oito anos que seria dificílimo extirpá-las”, diz.
A importância do Supremo
Arkes explica ainda que a eleição de Hillary teria representado outro perigo, pelo simples desencorajamento das forças conservadoras. “Eu conhecia muito bem o Scalia e ele disse-me antes de morrer que se os democratas vencessem ele talvez não aguentasse, não seria capaz de lá continuar. Não aguentava passar o resto dos seus dias a escrever declarações de voto para a minoria.”
A importância do Supremo Tribunal não pode ser menosprezada na vida política americana. Para além do aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo também foi legalizado a nível federal pelo Supremo, com o apoio de Anthony Kennedy, que agora se demitiu. Todas as grandes questões fraturantes, incluindo assuntos ligados à liberdade religiosa e objeção de consciência, são muitas vezes definidas pelo painel de juízes do Supremo.
Recentemente, por exemplo, o tribunal máximo deu razão a um pasteleiro que se tinha recusado a fazer um bolo para um casamento homossexual. Dessa vez Kennedy, votou alinhado com a ala conservadora. “Está muito em jogo quando um Presidente nomeia um juiz para fazer parte do Supremo e essa nomeação é vitalícia, portanto basta uma ou duas nomeações para que se mudem as simpatias políticas da maioria”, diz Luís Pinto de Sá.
Se na sua primeira nomeação Trump substituiu o conservador Scalia pelo também conservador Gorsuch, a nomeação de Kavanaugh para substituir Kennedy, considerado atualmente o moderado do tribunal, deixará uma marca mais duradora de Trump no Supremo e satisfará os conservadores que votaram em Trump precisamente para evitar que fosse Hillary Clinton a decidir também sobre este assunto.
Maioria católica
A confirmação de Kavanaugh devolverá ainda ao Supremo Tribunal a sua maioria católica, uma curiosidade num país que foi fundado em larga medida por puritanos protestantes.
Contudo, as divisões ideológicas no tribunal não correspondem às religiosas, com a católica Sonia Sotomayor, por exemplo, firmemente do lado liberal da bancada.
Atualmente há três juízes judaicos e quatro católicos. Neil Gorsuch, o primeiro nomeado por Trump, nasceu numa família católica mas atualmente frequenta uma igreja protestante.
Kavanaugh não esconde a sua filiação religiosa, tendo dito logo ao ser apresentado por Trump que pertence à comunidade católica de Washington.
O possível futuro juiz do Supremo é também conhecido pelas suas posições a favor da liberdade religiosa. Durante a sua carreira de advogado, ofereceu-se frequentemente para defender clientes que sentiam que os seus direitos nesse domínio eram postos em causa.