Veja também:
- Fomos fazer "barba e cabelo" à Geringonça no bairro de Costa
- O estado da nação em gráficos. Consegue desenhar o que mudou no país?
- Opinião de Graça Franco. Estado da Nação a banhos
- O estado da Nação ou a "tentativa de tomar balanço para a campanha eleitoral" das legislativas
- Descida de impostos, uma promessa “possível”, mas “nos limites do eleitoralismo”
Menos desemprego, transportes mais baratos
A diminuição da taxa de desemprego, a consolidação orçamental e a descida dos preços dos passes sociais são alguns dos fatores que os comentadores regulares da Renascença destacam como aspetos mais positivos dos últimos doze meses, no dia em que o Parlamento debate o Estado da Nação (a partir das 14h30 desta quarta-feira).
Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, destaca “a continuação da diminuição do desemprego” como o aspeto mais importante a nível social e económico e, no campo das medidas estruturais, salienta a “criação do passe único nas áreas metropolitanas”.
Esta última questão é também apontada por João Taborda da Gama, que participa juntamente com Medina num programa de comentários às terças e quintas-feiras de manhã, na Renascença, mas para além da “redução do preço e simplificação dos passes sociais”, o professor universitário e fiscalista destaca ainda a lei “que permitiu o acesso dos pacientes portugueses a preparações e substâncias à base de canábis, baseada num amplíssimo consenso parlamentar.”
“São ambas medidas que colocam Portugal na vanguarda da justiça social e do progresso”, diz.
Já para Jacinto Lucas Pires e Henrique Raposo, a dupla de comentadores das segundas e quartas-feiras, os aspetos positivos são políticos, mas diferentes. “Pela positiva, destaco a ideia de que uma coligação construtiva à esquerda é possível – durou uma legislatura – e a confirmação de que não é preciso uma austeridade de cortes cegos para cumprir as regras do défice”, diz Lucas Pires, enquanto Raposo sublinha o facto de os populismos não terem aumentado de expressão em Portugal, comprovando que “o país está numa rota diferente do resto da Europa”.
“Tínhamos populismo e campanhas anti-UE na extrema-esquerda, PCP e BE. A geringonça "europeizou" um pouco estas duas forças. Vamos ver se é uma mudança de fundo. Por outro lado, se o populismo anti-europeu à esquerda foi domesticado, também não apareceram populistas à direita. O centro está a resistir bem em Portugal”, diz.
Por fim, três dos comentadores regulares do programa “Conversas Cruzadas”, que vai para o ar aos domingos depois das 12h, enveredam pela economia.
“Consolidação do défice orçamental; cumprimento das metas europeias em matéria orçamental; descida do desemprego”, diz Nuno Garoupa, enquanto que Nuno Botelho aponta para o aumento das exportações. “Em dez anos, as exportações nacionais passaram de 28% para 43% do PIB, sendo que grande parte deste sucesso se deve ao dinamismo e resiliência das empresas do Norte, região do país com maior orientação exportadora.”
Por fim, Luís Aguiar-Conraria destaca pela positiva “o facto de conseguirmos, pela primeira vez em democracia, equilibrar as contas públicas. Esta era uma falha da nossa democracia que parece, finalmente, estar a ser resolvida”.
Saúde e carga fiscal
Vários dos comentadores sublinham a degradação dos serviços públicos, sobretudo na saúde, como o aspeto mais negativo do ano que passou.
Nuno Botelho culpa a política de cativações do Governo “que tem criado o caos em serviços públicos essenciais, designadamente nas áreas da Saúde, Educação, Justiça ou Transportes. Trata-se de uma austeridade encapotada que está a esvaziar o Estado de capacidade para dar resposta às necessidades dos cidadãos e das empresas, numa opção política clara de reposição de rendimentos apenas para algumas classes de trabalhadores, retirando com isso, competitividade à economia, e diminuindo, em última instância, a qualidade de vida dos portugueses.”
Henrique Raposo concorda com o facto de a austeridade não ter acabado, culpando por isso “a mais alta taxa de impostos lançada sobre o contribuinte português” e fala ainda numa “total rutura dos serviços sociais, um resultado da fórmula de austeridade escolhida por Centeno e Costa: devolver rendimentos aos funcionários públicos implica menos dinheiro para investir nos próprios serviços.”
João Taborda da Gama também aponta o holofote ao estado do Serviço Nacional de Saúde. “É fundamental resolver os problemas do SNS e não proclamar fidelidade ao SNS. Uma coisa sem a outra não é um exercício sério. E quem mais sofre são aqueles que não têm seguros privados (e incluo aqui a ADSE). Os efeitos nefastos das 35 horas no setor da saúde ainda não pararam de se fazer sentir”, diz, acrescentando ainda como aspetos negativos “toda a discussão à volta da lei de bases da saúde, o ataque irracional às PPP e as dificuldades do SNS que muitas vezes esses debates pareciam estar a querer esconder.”
Apesar de não alinhar no tema da austeridade, a falta de condições da SNS também aflige Jacinto Lucas Pires. “Pela negativa, destaco o estado preocupante do sistema nacional de saúde e, em geral, a falta de investimento público – a falta de visão, de ambição, na construção de uma sociedade mais justa e mais ecológica”.
Luís Aguiar-Conraria e Nuno Garoupa preferem olhar para a situação da banca e o facto de os portugueses terem sido chamados a injetar 25 mil milhões de euros, sem que tenha havido grandes melhorias. “Pela negativa destaco o facto de ainda não percebermos o que se passou com a banca portuguesa. Depois de os contribuintes já terem enfiado perto de 25 mil milhões de euros nos bancos, têm direito a explicações que foram impossíveis graças aos sucessivos e graves ataques amnésia de que muitos responsáveis foram vítimas”, diz Conraria.
Fernando Medina destoa de todos os restantes comentadores, afirmando que o principal aspeto negativo é “a continuação do impasse na União Europeia, sem capacidade de responder aos grandes desafios”.
Brexit, espirros e estagnação
A principal ameaça do próximo ano também vem da Europa, segundo Fernando Medina. O autarca teme acima de tudo o Brexit. “A saída do Reino Unido terá sempre impacto significativo. Se for saída sem acordo as repercussões imediatas e futuras serão muitíssimo negativas”, diz.
Nuno Botelho concorda, mas acrescenta mais ameaças. “Tendo em conta que as exportações têm sido o grande motor do crescimento da economia portuguesa nos últimos anos, vejo com preocupação as previsões de desaceleração da economia europeia, onde se encontram os nossos principais clientes.”
“Este quadro pode complicar-se ainda mais com um Brexit sem acordo e com um maior grau de protecionismo em alguns mercados externos, designadamente no mercado norte-americano, principalmente se Donald Trump for reeleito e se mantiverem as hostilidades com a China em termos políticos e comerciais”, afirma.
Luís Aguiar-Conraria também tem os olhos colocados no mesmo local. “Diria que o principal risco tem a ver com as consequências da guerra comercial entre os Estados Unidas e a China, com a Rússia lá metida no meio.”
Henrique Raposo teme “o défice externo (isto é, vivermos acima do que produzimos)” que “está a regressar. É preciso travar.”
Para João Taborda da Gama “os riscos são sempre a ameaça de um espirro económico conjuntural que desmanche o trabalho de equilíbrio das contas levado a cabo pelo anterior governo, e mantido por este (com exceção da dívida pública, que é onde reside a nossa maior fragilidade)”, posição partilhada por Nuno Garoupa, que está preocupado com a possibilidade de haver “estagnação económica, agravamento das condições de financiamento da economia e agravamento na deterioração dos serviços públicos nas áreas sociais e judiciais”.
Por fim, Jacinto Lucas Pires tem sobretudo preocupações políticas. “Há o risco de, esquecidos os tempos ‘abaixo de zero’ da austeridade Passos/Portas, não se refazer a coligação de esquerda, e isso pode levar a alguma instabilidade política e social.”
PS com ou sem maioria absoluta? Eis a questão
Embora Henrique Raposo e Luís Aguiar-Conraria optem por não fazer previsões sobre as eleições legislativas de outubro, os restantes parecem estar de acordo quanto a uma vitória do PS. A dúvida está em saber se será com ou sem maioria absoluta.
Fernando Medina, do Partido Socialista, acredita numa “vitória clara do PS” e ainda numa “larga maioria do conjunto dos partidos de esquerda no novo Parlamento”.
Jacinto Lucas Pires olha para o exemplo das europeias para concluir que “o PS ganhará sem maioria absoluta” e que “o novo Parlamento terá mais partidos e novas vozes” e Nuno Garoupa acredita que a grande vencedora será mesmo a abstenção. “Abstenção em torno dos 50%, vitória folgada do PS próxima da maioria absoluta de mandatos mas abaixo dos 40% dos votos”. O comentador vaticina ainda uma “debacle da direita” e maior “dispersão de votos”.
João Taborda da Gama também não acredita numa maioria absoluta do PS, mas dá como adquirido uma vitória do partido e questiona-se sobre as soluções de coligação. “PAN, BE ou PSD são, cada um à sua maneira, candidatos fortes pois cada um tem interesses que pode alcançar com essa coligação ou apoio parlamentar”, diz.
“No PSD é aquilo em que Rui Rio acredita e pode ser uma forma de solidificar a liderança depois de uma derrota; para o PAN chegar ao poder em tempo recorde e influenciar políticas; para o Bloco vender caro o apoio e tentar colher mais benefício do que o resultante de um mero apoio parlamentar”, acrescenta.
Já Nuno Botelho é dos poucos que confia que o PS pode mesmo conseguir a maioria absoluta. “Apesar do forte clima de contestação social que se tem vivido, antevejo uma maioria absoluta do PS ou no limiar da maioria, sem conhecer qual será a solução governativa, uma vez que António Costa se tem voltado, ora para a esquerda, ora para a direita, consoante as temáticas em causa. O mais provável é que governe ao sabor das necessidades, com quem se apresentar disponível para votar os orçamentos.”
“Tendo em conta os resultados das últimas eleições europeias, vejo um PCP mais renitente numa eventual nova coligação com o PS e uma direita na oposição e longe de ser solução governativa. Apesar do forte apetite pelo poder, o PCP e, sobretudo o BE, deverão ser vítimas do voto útil no PS. O mesmo se deverá passar à direita, onde os pequenos novos partidos deverão ter ainda menor expressão”, acredita.