O fim da utilização das máscaras e do distanciamento social não será para breve. O processo vai ainda demorar o tempo necessário para a vacinação ganhar uma cobertura universal, admite Kamal Mansinho, Diretor do Serviço de Infeciologia e Medicina Tropical do Hospital de Egas Moniz.
"Não temos o número mágico abaixo do qual a utilização das máscaras ou o distanciamento físico ou a lavagem das mãos pode ser dispensada. Mesmo quando falamos nesta imunidade do grupo e nesta proteção comunitária, não estamos a dizer que o vírus desapareceu e que não existam populações vulneráveis. Há várias razões pelas quais algumas pessoas poderão ou não fazer a vacina ou a vacina ser menos eficaz. Estas pessoas continuarão vulneráveis e esta proteção coletiva que a vacina e as medidas não-farmacológicas nos vão conferir terão de nos acompanhar nestes próximos anos. Isto porque temos ritmos e velocidades de vacinação diferentes e populações em risco diferentes", afirma Mansinho no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença.
Este especialista reconhece a existência de incertezas sobre o impacto das variantes a médio prazo na eficácia da vacinação. No entanto, Kamal Mansinho sustenta que os ganhos da vacinação são sempre superiores em relação à falta de imunização da população.
"Independentemente de haver uma capacidade de propagação muito elevada de uma variante, mesmo que algumas vacinas sejam parcialmente eficazes elas ainda são capazes de diminuir a gravidade da doença e diminuir mesmo a velocidade de propagação", assegura o infecciologista do Hospital Egas Moniz que recorda que o conhecimento adquirido permite perceber que nesta "família" de coronavírus, a imunidade não é duradoura quando a espécie humana é infectada.
Para outro dos convidados do "Da Capa à Contracapa", o médico Stefan Ujvari, infecciologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz em São Paulo, no Brasil, vão ter que existir vacinas de repetição para travar a infecção.
"É a mesma coisa que acontece com o vírus da gripe. Acaba por sofrer uma mutação e uma pessoa que adquiriu o vírus da gripe nesse ano, pode adquirir de novo a gripe no ano que vem. Por isso é que os mais vulneráveis são vacinados de novo. Ao que tudo indica é isso que vai acontecer", afiança o especialista brasileiro que ao longo dos últimos 20 anos escreveu sobre a história da pandemias.
Quebra das patentes para vacinar o mundo
Stefan Ujvari perspectiva um controlo "extremamente desigual" da pandemia no planeta, por via das discrepâncias no processo mundial de vacinação.
"Teríamos que encarar o planeta como uma cidade. Já não existem países para um vírus. Se não houver um acordo mútuo, ajuda a outros países e outros continentes, não adianta vacinar a sua população e não ter um espírito de coletividade", adianta o infecciologista brasileiro.
Para acabar com a pandemia, mesmo que a doença não seja curada, é preciso vacinar a população em todo o mundo, insiste Kamal Mansinho, para quem a melhor solução é a quebra de patentes que permita acabar com o desequilíbrio na vacinação entre ricos e pobres.
"Os países industrializados, com maiores recursos, concentram 14% da população mundial.De acordo com alguns estudos é improvável que os 80% restantes da população mundial acedam a uma vacina eficaz nos próximos dois anos. E este desequilíbrio é algo de profundamente crítico do ponto de vista do controlo da pandemia", argumenta Mansinho na Renascença.
O infecciologista do Hospital Egas Moniz, conhecedor profundo de epidemias recentes como as de Ébola ou VIH, defende a quebra de patentes como instrumento decisivo para disseminar o acesso a vacinas por todo o mundo. "Isto permitiria expandir mais rapidamente a produção local de vacinas porque haveria transferência de Tecnologia e, em alguns países que têm uma capacidade de produção mundial muito elevada, um maior impulso na produção de vacinas para poder chegar a estes números e permitir vacinar tão rapidamente quanto possível a população mundial", defende Mansinho.
Um acordo mundial para travar pandemias
Stefan Ujvari, infecciologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz em São Paulo, lembra que as epidemias mais recentes têm vindo cada vez mais de animais e defende que isso acontece também porque o Homem invade zonas naturais e captura animais selvagens.
" Em 20 anos tivemos 5 exemplos de epidemias que vieram do meio selvagem ou dos animais domesticados à custa de invasão do meio ambiente e da domesticação dos animais. Então essa provavelmente vai ser a tónica do futuro: vírus emergentes de animais. Por isso deveríamos tomar uma medida mais enérgica e penso que pode ser tomada uma vez que esta foi a única epidemia da história que parou o planeta. Então provavelmente é possível que provavelmente a Organização Mundial da Saúde possa comandar protocolos internacionais para que a criação dos animais não misture vírus entre si e para que o Homem não invada e capture animais selvagens ou silvestres que podem ser portadores de vírus. Seriam acordos internacionais da mesma maneira como temos hoje protocolos sobre o ambiente", sugere este médico brasileiro, autor de diversos livros sobre a história das pandemias.
Seja como for, há uma conclusão evidente no espírito de Kamal Mansinho. O controlo de uma pandemia, ainda para mais de um vírus respiratório, é algo de substancialmente mais crítico no contexto de um problema de gestão global da pandemia.
" A governação da saúde mundial voltou mais uma vez a falhar. Não previu ou prevendo, não foi capaz de antecipar mecanismos para começar rapidamente a diminuir este fosso" , remata o infecciologista do Egas Moniz, preocupado com a desigualdade entre países no acesso à saúde e à vacinação.