Depois da vivência da pandemia, e do travão a fundo nos concertos e nas atuações na casa de fados, Aldina Duarte transformou essa experiência dolorosa para uma fadista num álbum luminoso.
“Tudo Recomeça” é o disco que chegou ao mercado discográfico e onde Aldina Duarte usou para título, por sugestão do artista plástico e seu amigo, Pedro Cabrita Reis, um verso pedido emprestado a um poema de Ruy Belo.
Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, a artista confessa que “o disco foi uma necessidade” que sentiu em “simplesmente cantar”.
Aldina Duarte recorda: “Já não havia quotidiano a cantar no Senhor Vinho, nem concertos. Quando houve uma abertura, ali em 2020, reagendaram-me sete concertos que tinham sido cancelados”.
Ao levar o fado de novo ao palco, para uma plateia de máscara, Aldina Duarte admite que o que tinha vivido com os sucessivos confinamentos “transformaram completamente o registo emocional das histórias que cantava há muito tempo”.
“Achei que aquilo foi uma transformação radical a um ponto que me surpreendeu. Houve momentos em que nem tinha a noção se tinha cantado a letra certa, ao ponto a que se tinham transformado aquelas poesias, aquelas histórias, naquelas circunstâncias duras que todos vivemos”, explica a artista.
“Sou o tipo de intérprete que canta com tudo o que é, e que vive, e, portanto, obviamente que depois de uma experiência tão avassaladora e tão marcante, eu disse: Tenho de usar esta vivência para criar qualquer coisa de novo e tem de ser a cantar, porque essa é a minha forma de expressão primordial”.
Foi assim que nasceu a ideia para o disco que inclui dois inéditos, um deles assinado pelo músico Manuel Cruz dos Ornatos Violeta e outro por Aldina Duarte.
“Escrevi um tema, original, sobre o que estávamos a passar, intitulado "Clausura". Inicialmente não o escrevi para mim”, admite a fadista, que acabou por incluir o fado no disco. Os restantes fados que canta são novas interpretações, conta ao Ensaio Geral da Renascença.
“Tive a ideia de ir buscar temas que nunca deixei de cantar em concerto, alguns não tinha ainda gravado, mas já cantava ao vivo. Depois o Manuel Cruz escreveu o ‘Ela’ achando que era o meu retrato. Há também um inédito do João Ferreira Rosa, o ‘Autorretrato’. Nunca tinha gravado. Os outros todos, são temas que já tinha gravado e que reinterpretei e que criei novos arranjos”, explica Aldina Duarte.
Para a fadista, há fados que “em relação à versão original, para ouvidos menos treinados no fado tradicional, até podem nem parecer os mesmos”.
Com vários discos editados, desde o dia em que ouviu Beatriz da Conceição e que decidiu cantar, Aldina Duarte sente-se hoje realizada no caminho que trilhou.
“Fadista na minha alma, sempre fui! Não sabia era o que haveria de fazer com ela. Experimentei cantar. Depois tive muitas dúvidas, porque cheguei já adulta. Tinha muita bagagem que era exterior ao fado, e que eu não queria abrir mão dela, mas não sabia como haveria de integrá-la no meu canto.”
“Já fiz muitos discos e concertos, muitos anos na Casa de Fados. Acho que o tempo deu-me serenidade e a alegria de quem, afinal, acertou no caminho (risos). Faz-me sentido o meu caminho! É, para mim, das coisas mais importantes na vida de uma pessoa, o encontrar um sentido para a vida. E eu encontrei um sentido para a vida no meu trabalho", conclui Aldina Duarte.