O candidato a Belém André Ventura acusa Marcelo Rebelo de Sousa de ser o Presidente da República “mais cúmplice” com o Governo desde o 25 de Abril, funcionando como "para-raios" do primeiro-ministro, António Costa.
Em entrevista à agência Lusa, dada na quinta-feira, o também presidente do Chega fez um balanço do mandato do chefe de Estado, defendendo que “o que ficará do legado de Marcelo Rebelo de Sousa é ter sido provavelmente o Presidente mais cúmplice da história da terceira República”.
“Acho que é um mandato que tem como palavra principal, de caracterização, 'cumplicidade'. Cumplicidade com o Governo, acho que foi nisso que Marcelo Rebelo de Sousa apostou tudo desde o início do seu mandato”, afirmou.
O candidato lembrou que o Presidente da República “já várias vezes tinha dito, enquanto comentador, que os portugueses nunca punham os ovos todos no mesmo cesto”, e portanto decidiu “não hostilizar o Governo PS”, porque se o Governo “muda para a direita, é mais difícil” ser reeleito.
Para André Ventura, “isso vê-se em várias coisas”, por exemplo “no apelo sucessivo para aprovar os Orçamentos do Estado”.
“Aliás, eu nunca vi um Presidente tão entusiasmado com um Governo como Marcelo Rebelo de Sousa. Acho que foi o Presidente que mais se entusiasmou com o Governo, muitas vezes serviu de para-raios ao Governo quando o tom subia na Assembleia da República, embora desde que Rui Rio entrou também nunca subiu assim muito, mas foi sempre o para-raios de António Costa”, concretizou.
Ventura, que é também deputado único do Chega, reconheceu que as próximas eleições para a Presidência da República (que deverão ser disputadas em janeiro) podem traduzir-se numa “luta difícil”, mas salientou que se candidata porque acredita que é aquilo que deve fazer e que vai valer a pena.
Acredita que vai ter o sobro do que as sondagens apontam
O líder do Chega mostrou-se também convicto de que vai conseguir “ter o dobro daquilo que as sondagens” antecipam e de que vai disputar uma segunda volta.
Sobre a campanha, que poderá não acontecer nos moldes habituais e com grandes ajuntamentos devido à pandemia de covid-19, o candidato admitiu uma “reformulação dos modelos de campanha” devido às restrições que ainda poderão estar em vigor, mas garantiu que “a caravana vai sair” e vai andar na rua, pois gosta de estar junto dos eleitores, recusando uma campanha através da internet.
“Vamos ter de nos adaptar, como se faz nos eventos, agora não vou deixar de ir aos sítios porque a nossa vantagem é essa”, defendeu, exemplificando que os comícios poderão passar da rua para auditórios, com lugares marcados, e que os jantares poderão dar lugar a ‘cocktails’.
André Ventura só admitiu “alguma espécie de modelo virtual de campanha” caso em janeiro ainda estejam em vigor as restrições à circulação, mas espera “que isso não aconteça”.
Na sua ótica, “as eleições não podem ser adiadas”, e portanto os candidatos terão de se “ajustar ao novo panorama, e o panorama em janeiro vai ser este”.
Questionado sobre a sua intenção de suspender o mandato de deputado para participar na campanha a tempo inteiro, o candidato indicou que vai pedir a suspensão “logo quando entregar o processo” para a oficialização da candidatura e que vai bater-se por ser aceite, “se for preciso até ao Tribunal Constitucional”.
Sobre o anúncio de que abandona a liderança do partido caso Ana Gomes fique à sua frente uma vez apurados os resultados eleitorais, Ventura reiterou essa intenção: “Sim, evidente, eu quando digo as coisas é para manter. O que eu quis dizer com isso foi que tenho de tirar responsabilidades e ilações do facto de a doutora Ana Gomes ter mais [votos] do que eu”.
“Ana Gomes não gera nas pessoas a empatia necessária, o prestígio necessário, o entusiasmo necessário para ser uma boa candidata presidencial, na minha opinião, tem-se rodeado de pessoas que também não ajudam na campanha dela, como é o caso do Paulo Pedroso, mas não só. E portanto, não há nenhum motivo para ela ficar à minha frente, seria que eu fiz um mau trabalho e tenho de tirar consequências disso, mantenho o que digo”, advogou.
Já Marisa Matias, a candidata apoiada pelo BE, “não traz nada de novo” e está a perder eleitorado para a socialista.
André Ventura referiu igualmente que vai manter a postura crítica em relação aos restantes candidatos e que vai manter “o tom” e “o registo” que adotou até aqui, recusando que seja insultuoso.
Salazar atrasou-nos muitíssimo
O anunciado candidato presidencial do Chega recusa os rótulos de "extrema-direita, fascista, xenófoba e racista" que muitos atribuem ao seu partido e também qualquer simpatia relativamente ao regime do Estado Novo ou saudosismo pelo ditador Salazar.
André Ventura defendeu que “não é preciso Salazar nenhum em esquina nenhuma”, mas antes uma IV República, e definiu o seu recém-formado partido como sendo “antissistema” e cujo objetivo é transformar Portugal no novo “eldorado da Europa”.
“A República liderada pelo dr. António de Oliveira Salazar, a maior parte do tempo, também não resolveu [os problemas do país] e atrasou-nos muitíssimo em vários aspetos. Não nos permitiu ter o desenvolvimento que poderíamos ter tido, sobretudo no quadro do pós-II Guerra Mundial. Portugal poder-se-ia ter desenvolvido extraordinariamente e ficámos para trás, assim como os espanhóis”, afirmou.
O deputado único do Chega declarou, em tom humorístico, que “não é preciso um Salazar em cada esquina, é preciso é um André Ventura em cada esquina”.
Curiosamente, antes do começo da entrevista no gabinete da sede partidária, em Lisboa, a zelosa assessoria de imprensa nacional-populista retirou da estante que estava atrás do líder partidário vários volumes sobre Salazar para que não aparecessem no enquadramento das imagens.
“Comigo estão à vontade porque não tenho nenhum saudosismo de uma República que eu não vivi. Não é isso que me move. Vejo Salazar como vejo outras figuras da História. Não vou fazer juízos de qual é melhor ou pior: se Salazar ou [Álvaro] Cunhal ou Hitler ou Estaline. Nós, em Portugal, para conseguirmos dar um avanço real na questão política, temos de deixar os fantasmas do passado”, continuou.
André Ventura disse que vai sentir a sua “missão” cumprida “quando um jovem de 24 anos, que viva na Suíça ou em Inglaterra e os pais lhe perguntarem para que país quer ir viver, diga ‘quero ir para Portugal’”.
“Enquanto houver um jovem de 24 anos que me diga que não tem trabalho em Portugal e que quer ir para a Suíça ou Alemanha, eu ainda não cumpri a minha missão. Durante o tempo de Salazar, nos anos de 1960, os portugueses emigraram como nunca para França, Suíça, Alemanha. Quando cumprir [a missão], este país vai ser o polo de atração da Europa, o eldorado da Europa”, prometeu.
Questionado mais uma vez sobre as ligações do Chega a movimentos radicais de direita e as suas raízes ideológicas, o pré-candidato presidencial optou pela designação de “partido antissistema”.
”O Chega tem zonas do país onde os militantes vêm predominantemente do espetro esquerdo, como Setúbal, Beja, Évora, Portalegre. Em Portalegre, é o segundo ou terceiro em termos de sondagens. O nosso eleitorado ali veio do PCP, do BE, algum do PS e, como acontece em todo o lado, do PSD e CDS”, descreveu.
Ventura estimou em “cerca de 25 mil” os atuais membros da sua força política, acrescentando que, “provavelmente, é o terceiro partido em Portugal com mais militantes em termos absolutos, inscritos”.
Na interpretação de Ventura, o Chega é “um partido de direita, na classificação clássica – com uma visão do país de valores, defesa das instituições e do mercado -, mas na lógica antissistema, que é uma classificação mais adequada do que extrema-direita, extrema-esquerda, esquerda, direita”.
"Ser homossexual não desvaloriza em nada ninguém"
O pré-candidato presidencial do Chega assume que “ser homossexual não desvaloriza em nada ninguém” e mostrou-se favorável ao casamento gay, adiantando que o seu partido tem pessoas de diversas orientações sexuais, “eventualmente” até na cúpula dirigente.
Dadas as várias posições assumidas por André Ventura contra os direitos das minorias, sejam refugiados, imigrantes ou a comunidade cigana, a agência Lusa quis perceber como reagiria o líder do partido da extrema-direita portuguesa se tivesse um filho homossexual?
“(risos)... Eu, se tivesse um filho homossexual... (hesitação), pessoalmente – talvez algumas pessoas não gostem disto –, não teria nenhum problema com isso porque tenho muitos amigos homossexuais, alguns deles do mais brilhante que eu conheci na vida, que falam muito bem comigo e que percebem que nunca tive nenhuma onda de combatividade aos homossexuais ou à comunidade LGBT”, respondeu.
Voltando a ressalvar que “talvez alguma parte” do eleitorado” do Chega não esteja de acordo consigo, Ventura declarou que a direita com que sonhou, “tal como em muitos pontos da Europa, é uma direita em que as pessoas se unem em torno de causas, convicções, e não de condições pessoais de cada um”, pois “ser homossexual não desvaloriza em nada ninguém e não desvaloriza a capacidade de combate político”.
“Estou em crer - não tenho dados sobre isso - que o Chega tem homossexuais entre os seus milhares de militantes. Entre os dirigentes, eventualmente. E quero que continue a ser assim. Se tivesse um filho homossexual eu respeitaria isso”, afirmou.
Sobre “se ficaria feliz se ele [filho] casasse nos mesmos termos em que casam outras pessoas”, o presidente do Chega referiu ter “uma posição”, mas respeitar que a maior parte do partido tenha outra e entenda que o casamento não deva existir exatamente nos mesmos termos”.
“A minha posição pessoal é a de que um casal de homens ou de mulheres não devem ter menos direitos do ponto de vista da sua presença na sociedade do que um casal homem-mulher”, declarou.
O líder nacional-populista deu ainda como exemplo o aborto, tema sobre o qual também tem um posicionamento de possível “discordância com a base do partido”.
“Sempre disse que, eticamente, compreendo e sou contra o aborto, mas não vou propor a sua criminalização, porque não funciona, não resolve. Compreendo que a maioria no partido ache que deva ser crime, mas choca-me enquanto jurista e político”, concluiu.