A presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) defende que a opinião das crianças entre os 5 e os 11 deve ser tida em conta na decisão de vacinar contra a Covid-19.
Em declarações à Renascença esta segunda-feira, dia em que o CNECV emitiu uma deliberação sobre este assunto, Maria do Céu Patrão Neves sublinhou que a vacinação de menores desta faixa etária “não pode ser imposta”.
“A autonomia em relação às crianças exige o seu envolvimento em todo o processo. Isso faz-se com uma linguagem adequada, fazendo um processo de explicação do que é vacina, para que serve, quais as eventuais reações.
A criança, desde que a linguagem seja adequada à sua idade e nível de maturidade, compreende muito bem o processo e adere mais facilmente”, considera Maria do Céu Patrão Neves.
Numa altura em que o país está cada vez mais perto do final do ano – altura em que se espera que a variante Ómicron represente 80% das infeções por Covid-19 – a presidente do CNECV assinala que o esclarecimento das crianças permite-lhes sentir “o orgulho de poderem participar num ato de cidadania, num projeto de promoção de saúde pública”, o que representa, também, “uma oportunidade excelente para desenvolver a educação para a saúde e o sentido de cidadania”.
Menos medo e ansiedade
Maria do Céu Patrão Neves lembra, ainda, que o esclarecimento “proporcional” da necessidade de vacinar “evita que o processo de vacinação possa ser uma experiência traumática, porque [a criança] percebe o que vai acontecer, sem angústia, sem medo e sem stress”.
Mas, dito isto, a presidente do CNECV lamenta que haja “algumas vozes” que consideram desnecessária ou irrelevante a aplicação do princípio da autonomia no contexto da população pediátrica. E contraria esse argumento: “de facto, o princípio da autonomia encontra-se duplamente implicado na vacinação das crianças entre os 5 e os 11 anos". Primeiro, "porque a vacinação é voluntária e cabe aos pais decidirem se querem ou não vacinar os seus filhos. Em segundo lugar, e provavelmente mais importante, porque a criança, em qualquer idade, deve ser envolvida em todas as decisões de saúde que lhe digam respeito, de acordo com a maturidade que tiver para, dessa forma, promover a sua própria autonomia”.
De resto, Maria do Céu Patrão Neves recorda que até a Direção-Geral da Saúde, nas suas posições sobre consentimento informado, está alinhada com o envolvimento do menor nas tomadas de decisão naquilo que lhe diz respeito.
Daí que chame a atenção para este aspeto, “que não tem sido sublinhado na sua importância ou tem sido descartado e considerado como irrelevante”.
Avaliação é global, não apenas clínica
Para a presidente do CNECV, “a beneficência e a não maleficência devem ser consideradas, não apenas no seu restrito sentido clínico, mas no plano mais amplo, holístico”.
Maria do Céu Patrão Neves pensa, em particular, na forma como os surtos em escolas e, mesmo, os casos isolados em turmas comprometem a saúde mental e o bem-estar psicológico das crianças.
E, desse ponto de vista, diz a presidente do CNECV, “importa ponderar, conjuntamente, o impacto negativo dos isolamentos e das quarentenas”, fatores que, ao longo de dois anos de pandemia, têm subtraído normalidade ao dia a dia das crianças.