Nas alegações finais do julgamento dos recursos interpostos junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, por 11 bancos visados na decisão da AdC, a entidade justificou o pedido de agravamento das coimas a estes bancos por, ao longo do julgamento, terem revelado "total indiferença", nada fazendo para pôr termo às práticas que levaram à condenação e não reconhecendo "qualquer relevância à troca de informação" que esteve na base da condenação.
A mandatária da AdC Ana Nogueira salientou o facto de a autoridade ter recebido manuais e códigos de conduta, nas últimas 48 horas, alguns na última madrugada, elaborados há menos de seis meses, atuação que disse ser "compatível" com a postura dos legais representantes dos bancos que vieram depor revelando "desinteresse, laxismo e indiferença" perante infrações que considera terem sido praticadas com dolo.
A AdC afirmou não poder acompanhar o pedido do Ministério Público, que defendeu a redução das coimas de alguns dos bancos visados, declarando que, se o fizesse, seria reconhecer que "o crime compensa".
Para a reguladora da concorrência, não pode haver um "efeito desculpabilizante" de uma prática que abarcou a quase totalidade da concessão de crédito, setor "vital para a economia de qualquer país".
Em causa no processo, que entrou hoje em fase de alegações, está a prática concertada de troca de informação comercial sensível, entre 2002 e 2013, nomeadamente com partilha de tabelas de "spreads" a aplicar aos créditos a clientes (habitação, consumo e a empresas) e de volumes de produção.
Ana Nogueira considerou "notoriamente censurável" a estratégia processual seguida pelo Montepio Geral, banco que aderiu ao pedido de clemência apresentado pelo Barclays em 2013 (que esteve na origem do processo), mas que optou pela não confissão dos factos pelos quais foi condenado, apesar de ter visto reduzido para metade o valor da coima que lhe foi aplicada.
Em particular, apontou o depoimento do legal representante da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), o qual não reconheceu a prática de qualquer infração, afirmando que, se esta postura tivesse sido assumida antes da decisão administrativa, nunca teria sido concedida a redução de 50%.
Declarando-se convicta de que o Tribunal não deixará de "valorar negativamente" o comportamento da CEMG, a advogada da AdC afirmou que a clemência constitui "um instrumento essencial" para trazer ao conhecimento condutas como a cartelização e a concertação que "de outra forma nunca veriam a luz do dia", como aconteceu no presente processo.
Por outro lado, salientou a "falta de colaboração" da Caixa Geral de Depósitos e do Santander Totta para com o Tribunal, na identificação e contacto com funcionários arrolados como testemunhas, o que mereceu um protesto do mandatário do Santander.
Nuno Casanova leu parte das atas dando conta das diligências para contacto de ex-colaboradores, nomeadamente da que foi várias vezes referida como a funcionária que apresentou "maior proatividade" na troca de informação com concorrentes.
O que se passou com esta testemunha, que começou por apresentar um atestado de incapacidade para prestar declarações por um ano e que, depois, ficou incontactável, faltando inclusive a uma perícia médica determinada pelo Tribunal, levou o procurador do Ministério Público a afirmar, nas suas alegações, ter sido a primeira vez, em centenas julgamentos que acompanhou, que se deparou com uma situação que "carecia de explicação".
Respondendo a críticas feitas durante o julgamento, sobre a falta de imparcialidade da AdC por receber 40% do valor das coimas que aplica, Ana Nogueira salientou que a autoridade vai deixar de ter direito a esta verba, como decorre da diretiva comunitária que se encontra na Assembleia da República.
Neste processo, a CGD foi condenada ao pagamento de 82 milhões de euros, o Banco Comercial Português (BCP) de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, a CEMG em 13 milhões (coima reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência), o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria em 2,5 milhões, o BES em 700.000 euros, o Banco BIC em 500.000 euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350.000 euros cada um, a Union de Créditos Inmobiliarios em 150.000 e o Banif (que não recorreu) em mil euros.
O Abanca, também visado no processo, viu a infração prescrever ainda na fase administrativa e o Barclays, que apresentou o pedido de clemência, viu suspensa a coima de oito milhões de euros que lhe foi aplicada.