O nome surge apenas com uma inicial. F. tinha 31 anos e vivia há 25 com uma doença degenerativa irreversível. Não via, não ouvia, falava com dificuldade e dependia de outros para todas as atividades do quotidiano. O fim aproximava-se e era a mãe quem a acompanhava permanentemente.
“Atendendo às várias dimensões que o caracterizam, o [seu] sofrimento era bem maior do que o da filha’”, conta a médica Isabel Galriça Neto, no seu mais recente livro "Da Ciência, do Amor e do Valor da Vida", que agora chega às bancas.
“Ainda que a sua sempre menina estivesse confortável e descansasse, ela insistia: ‘Olhe, está a sofrer tanto, não vê?’”, relata a antiga deputada do CDS, explicando que muitos familiares de doentes em fim de vida alertam para o sofrimento dos entes queridos, e não são capazes de expressar a própria dor. “Existe muito desconhecimento sobre o período do fim de vida”, diz Isabel Galriça Neto.
Foram estas ideias erradas que levaram a médica a reunir em livro um conjunto de histórias de doentes que acompanhou em cuidados paliativos, ao longo de mais de 25 anos de carreira. “Quando nós apoiamos as pessoas de uma forma preparada, de uma forma estruturada, não só não estão em sofrimento disruptivo, como conseguem dar um sentido e ter qualidade de vida até ao fim. Só que estas pessoas são silenciadas. São pessoas para quem a sociedade não gosta de olhar, porque lhes lembra um facto inevitável da vida que é o de que somos mortais.”
Em Portugal, 70% dos cidadãos que precisam não têm acesso a cuidados paliativos. “A falta de acesso é escandalosa”, considera Isabel Galriça Neto. “Estamos a falar de dezenas de milhares de pessoas, porque os cuidados paliativos são para os doentes e para as suas famílias”. E garante: “Não é uma questão de dinheiro. É uma questão de acesso. As equipas não chegam para as necessidades e em muitas zonas do País há um deserto”.
“Os cuidados paliativos não encurtam a vida”
Entre os mitos mais comuns sobre o fim de vida está a ideia de que o sofrimento é inevitável, diz Isabel Galriça Neto. “Isso é falso”, assegura. “Nos cuidados paliativos, há ferramentas para tornar esse sofrimento tolerável e os testemunhos das pessoas dizem-nos que conseguem viver com dignidade até ao fim.”
Muitas pessoas acreditam também que se deve recorrer aos cuidados paliativos nos últimos dias. “Nessa altura, temos muito pouca possibilidade de as ajudar”, afirma a médica, esclarecendo que se deve procurar ajuda neste campo, quando se tem um diagnóstico de uma doença grave, incurável e irreversível. “Pode ser nos últimos meses, anos. Os cuidados paliativos não encurtam a vida. Dão mais tempo de vida com mais qualidade.”