O arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, preside, esta terça-feira, à missa de despedida dos monges da Cartuxa de Évora. Será às 18h30, na igreja do mosteiro, com abertura de clausura.
Durante a celebração de amanhã, D. Francisco vai anunciar a entrada naquele espaço de uma nova congregação, feminina, monástica.
O senhor arcebispo preside, esta terça-feira, à Eucaristia que assinala a despedida dos monges da Cartuxa de Évora, depois de várias décadas na cidade. Como devem, a Igreja da região e todos os amigos da Ordem Cartusiana, encarar esta partida?
Sim, é uma despedida, mas é uma despedida de ação de graças pelos 60 anos em que os monges estiveram connosco. É a leitura que devemos fazer. Ao mesmo tempo, queremos comungar com eles a dor da partida, pois os cartuxos amam Évora, amam a sua Cartuxa, quase todos tinham idealizado terminar os seus dias aqui, e ficar sepultados no campo santo desta Cartuxa, o cemitério próprio, monástico. Assim não foi. Vão partir para Barcelona, segundo a sua própria decisão, discernida, em sede própria, que é, de facto, o Capítulo Geral da Ordem Cartusiana.
Partem os monges da Ordem de S. Bruno, mas, senhor arcebispo, o mosteiro não vai ficar vazio por muito tempo…
Sim, é verdade. Vamos ter a alegria de estar com os nossos monges, e tendo em conta que a Cartuxa é um lugar santo, posso já anunciar que vamos ter connosco as irmãs do Instituto das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará, o ramo feminino da Família Religiosa do Verbo Encarnado. A sua casa geral permanece na Via della Pisana 332, em Roma, Itália. O instituto foi fundado no dia de São José, em 19 de março de 1988, na Argentina, com aprovação canónica.
É, então, um instituto de vida contemplativa ou também de vida apostólica?
Tem os dois ramos, digamos assim. Neste momento o que lhe posso dizer é que essas irmãs são cerca de 1350, espalhadas pelo mundo, com vocação missionária. Estão em países de fronteira, diria mesmo, de periferia do cristianismo. Posso dizer-lhe que estão, por exemplo, no Iraque ou na Síria, mas também em países mais arriscados, que pela sua situação de clandestinidade não deve ser referida. São irmãs que agora vão entrar na Turquia e estão em lugares do mundo de grande pobreza. Ora, estas irmãs têm, também, um ramo contemplativo de 186 monjas, em 16 mosteiros. São esta monjas que vão vir para a nossa Cartuxa e dar vida a esta comunidade. São as Servidoras do Senhor, assim chamadas, estas irmãs do Instituto do Verbo Encarnado, que na sua dimensão monástica vão adaptar-se a este mosteiro.
E, vão já participar na missa de despedida dos monges, neste dia 8?
Virão irmãs missionárias, de Espanha, e também de Almada, diocese de Setúbal, onde estão três irmãs deste instituto religioso. Não virão as monjas contemplativas, pois, por um lado, não costumam sair do mosteiro para estas ações públicas e, por outro lado, porque estão mais longe. Acreditamos que depois das obras necessárias - é necessário rever as celas, cuidar de alguns pormenores, pois a Cartuxa é marcadamente masculina e agora vai passar a ser para senhoras - teremos a alegria de as receber. Vamos passar a ter uma comunidade monástica, feminina, contemplativa na cartuxa de Évora. A cartuxa é já um topónimo, será sempre a nossa Cartuxa. Estas Servidoras do Senhor vão habitá-la.
Há alguma característica, nesta congregação, que o senhor arcebispo queira evidenciar?
Há um pormenor que já me anunciaram: elas valorizam muito um espaço que não é de caracter hoteleiro, mas de acolhimento. Aquilo que se chama, hospitalidade monástica, característica de várias ordens como Cisterciense, Beneditina, ordem de Cluny, ou as ordens ligadas também aos mendicantes, como por exemplo as Clarissas. Ou seja, recebem pessoas na hospedaria para passarem dias com elas, rezarem, fazerem silêncio, fazerem a experiência da peregrinação interior, tentar cobrir a beleza do amor de Deus, de fazerem, assim, também, vida monástica por alguns dias.
Que os cartuxos não tinham…
Sim, essa realidade não era própria da espiritualidade e da disciplina cartusiana. Porém o nosso mosteiro vai passar, logo que possível, a ter essa hospedaria. Destina-se a todas as pessoas que andam feridas, quando andam vazias, que tem experiências de profunda solidão, que se sentem sempre sozinhas no meio de muita gente, que fazem a experiência de um silêncio dramático de Deus e até, por vezes, a experiência do desespero. Aqui, nesta hospedaria, vão poder encontrar a paz. Mas, claro, é também para as pessoas que já tem Deus e querem aprofundá-lo, uma vez que já descobriram a Sua beleza e o Seu amor.
Suponho que, desde o anúncio da partida dos monges e até ao momento, o senhor arcebispo não se tenha poupado a esforços para poder, agora, anunciar à arquidiocese a vinda destas irmãs. Pode contar-nos qual foi a reação da Santa Sé?
Olhe, fiquei muito contente, pois aguardava a palavra da Santa Sé que aceitou a minha decisão. A Santa Sé esteve com o arcebispo de Évora, sem colocar qualquer obstáculo a que transformássemos a Cartuxa numa comunidade monástica feminina. Uma vez que a Santa Sé conta com a minha prudência e a minha experiência, e não tendo nada contra, eu assumo como, arcebispo de Évora, uma proposta para que a nossa Cartuxa assuma estas irmãs. Isto consegue-se com uma enorme ligação, que acontecerá a nível jurídico, de parceria entre a arquidiocese e a Fundação Eugénio de Almeida (FEA), que é, de facto, a proprietária e a responsável por aquele património que é monumento nacional, mas que é da FEA. Portanto, vamos continuar a ter aqui em, Évora, um pulmão ecológico de espiritualidade. Creio que os cartuxos, que nunca serão esquecidos, nem jamais substituídos, ficarão muito felizes por ver que a sua Cartuxa permanece habitada. É um silêncio habitado, é um silêncio vivo e não um silêncio de morte. Por isso, damos graças a Deus.
E que ecos, D. Francisco, lhe chegaram por parte das irmãs?
As irmãs já vieram cá. A madre geral veio de Itália, com a provincial que veio de Espanha. Evidentemente, não podíamos revelar estas diligências, pois foi tudo feito em grande sigilo, uma vez que aguardávamos a posição definitiva da Congregação para os Institutos da Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, dicastério da Cúria Romana. Posso dizer-lhe que a madre geral, que conduz as 1350 religiosas, achou que a Cartuxa estava absolutamente normal, em condições, para receber as irmãs.
Isso acontecerá, ainda, no decorrer deste ano pastoral?
Pensamos que sim. Claro que teremos de fazer pequenas intervenções, mas são coisas simples, como a questão da água quente ou criar um pouco mais de conforto nas celas. Acredito que as irmãs vão vir em número interessante. Neste momento, não sei dizer, mas pela informação que tenho, nunca serão menos do que sete monjas. Vai ser para nós, acredito, uma recompensa pelo amor que sempre dedicamos aos cartuxos, mas também será fruto da oração deles, o facto de continuar a haver vida monástica, naquela grande casa de oração.
Há religiosas de nacionalidade portuguesa?
Não lhe sei dizer, com sinceridade. Ainda não tenho um conhecimento da congregação a esse ponto. Que eu saiba não. Eu sei que as missionárias, estão em Portugal, em Almada, na diocese de Setúbal, o ramo missionário. Quanto ao ramo monástico, sei que são 16 mosteiros, mas efetivamente não sei se haverá portuguesas. Saberemos em breve.
Para terminar, senhor arcebispo, as celebrações que assinalam a despedida dos monges, começaram no dia 6 de outubro, festa litúrgica de São Bruno, com a ordenação sacerdotal de Paulo Fonseca, que durante cinco anos abraçou o modo de vida cartusiano. Deste conjunto de celebrações, há ainda a referir o regresso da imagem seiscentista de São Bruno à igreja de São Francisco, onde esteve exposta à devoção durante 120 anos…
É verdade. Na igreja de São Francisco, essa igreja majestosa, onde está a conhecida Capela dos Ossos, volta a ter a sua imagem de S. Bruno. Essa imagem esteve na cartuxa até 1834, quando os cartuxos foram expulsos pelo Liberalismo. A imagem ficou abandonada e esquecida. Houve alguém que a adquiriu e a ofereceu à guarda desta igreja, onde ficou. O povo de Évora sempre teve uma grande veneração pela imagem e aqui vinha rezar a São Bruno, na memória que os cartuxos deixaram, com a sua vivência, desde o século XVI, na Cartuxa edificada pelo arcebispo D. Teotónio de Bragança. Ora, durante todos esses anos, as pessoas não tinham os cartuxos, mas tinham o São Bruno dos cartuxos. Essa mesma imagem foi, então, colocada pela igreja de São Francisco, com muito carinho, quando em 1958/59 se reedificou a Cartuxa através da grande figura do Conde de Vilalva, o engenheiro Vasco Maria Eugénio de Almeida. Agora regressa para o seu lugar, pois é pertença desta igreja, uma vez que foi adquirida e oferecida à mesma.