Ao contrário da maioria dos países europeus, Portugal optou por acabar primeiro com a máscara em espaços fechados e só depois começar a vacinação dos grupos mais vulneráveis com a segunda dose de reforço contra a Covid-19. Mais de três semanas após o fim da medida, Portugal é o líder mundial de casos e apresenta a terceira maior mortalidade por milhão de habitantes, sendo dos únicos a ver aumentar o número de infetados e óbitos depois de acabar com o uso obrigatório de máscaras.
O país mudou as regras dias depois de Reino Unido e Espanha o fazerem, mas os três países escolheram estratégias diferentes: britânicos anunciaram o fim das máscaras a 19 de abril, mas tinham começado a vacinar idosos e imunodeprimidos um mês antes, enquanto espanhóis iniciaram a vacinação com a quarta dose um dia antes de libertarem a população do uso de máscara, a 20 de abril.
Os números são esclarecedores: entre o dia em que a máscara caiu nestes países e as três semanas seguintes, a incidência desceu 45% no Reino Unido e subiu 41% em Espanha. Em Portugal, a média de casos duplicou no mesmo intervalo de tempo - uma subida de 101%.
No que toca à mortalidade, Espanha registou uma descida de 26% nas mortes por Covid-19 nas três semanas após o fim da máscara e o Reino Unido manteve números semelhantes, enquanto Portugal teve uma subida de 23% nos últimos 21 dias.
Este crescimento teve como ponto de partida o aumento da incidência nas faixas etárias mais velhas, que acompanhou a subida do número de casos noutras idades. Nas três semanas após o fim da máscara, entre 19 de abril e 9 de maio, os casos aumentaram quase 25% em maiores de 80 anos e 35% em idosos com idades entre os 70 e 79 anos, enquanto a mortalidade subiu 11% no grupo etário mais velho.
Países que deixaram máscara sem reforçar vacinação têm mais casos e mortes
Ao todo, dos 16 países europeus que já anunciaram o fim das máscaras ao ar livre e em espaços fechados, 11 iniciaram a vacinação com a segunda dose de reforço contra a Covid-19: cinco começaram antes do fim das máscaras e outros seis, como Portugal, só começaram a administrar vacinas após deixarem cair as máscaras.
Destes, só dois - a Finlândia e a Irlanda - registaram maiores aumentos em percentagem do número de casos após o fim das máscaras que Portugal. A semelhança com o nosso país? Ambos decretaram o fim da medida sem a acompanhar (ou anteceder) com o início da vacinação com a segunda dose de reforço.
Entre os países que optaram por esta estratégia, só a Roménia, que também iniciou a vacinação com a quarta dose esta segunda-feira, não apresenta uma subida de casos ou mortes da pandemia.
A Finlândia é também o país que regista a maior subida da mortalidade pós-máscara, sendo, a par de Portugal, os únicos que registaram aumentos de casos e mortes neste intervalo de três semanas após o fim da medida. Neste país, a máscara deixou de ser obrigatória ainda em 2021, a 17 de dezembro, enquanto a segunda dose de reforço só foi autorizada a idosos a 24 de março.
Outros dois países nórdicos, Noruega e Dinamarca, registaram aumentos da mortalidade depois de deixarem a máscara, mas em contextos diferentes: ambos fizeram-no no pico de incidência das respetivas vagas, em fevereiro, e a Dinamarca era, na altura, a líder mundial de incidência da pandemia.
Antes disso, o país já tinha iniciado a vacinação com a quarta dose, em meados de janeiro, enquanto a Noruega só começou este processo de vacinação em abril.
Em comparação, os países que vacinaram primeiro com a quarta dose e só depois retiraram as máscaras (Dinamarca, Hungria, Suécia, Reino Unido e Espanha) registaram, no total, descidas do número de casos na ordem dos 32% e 6% no número de óbitos por Covid-19 nas três semanas após a máscara cair.
Do lado contrário, os países que optaram por não iniciar a vacinação antes do fim da máscara obrigatória (Portugal, Finlândia, Noruega, Roménia e Irlanda), registaram um aumento de 20% do número de mortes por Covid-19 e 21% do número de casos nas três semanas após a medida das máscaras deixar de estar em vigor.
Cronologia dos países que deixaram as máscaras e iniciaram vacinação da 4.ª dose
A Dinamarca e a Hungria foram os primeiros a iniciar a administração da quarta dose a idosos e imunodeprimidos, ainda em janeiro, fazendo cair o uso de máscara a 1 de fevereiro e 7 de março, respetivamente. A Suécia deixou a máscara a 9 de fevereiro, mas cinco dias depois iniciou a administração da segunda dose de reforço, enquanto a Irlanda começou a vacinação um mês depois de acabar com a máscara, a 9 de março.
O Reino Unido, que acabou com a medida de máscaras obrigatórias a 18 de abril, tinha iniciado a administração da quarta dose aos mais idosos um mês antes, na mesma altura da Finlândia, que já tinha terminado com o uso de máscaras em espaços fechados em dezembro do ano passado.
A Espanha, que tinha anunciado o fim das máscaras dias antes de Portugal, tinha começado a vacinação dos mais idosos na mesma altura, em meados de abril. Noruega e Islândia terminaram com as máscaras em fevereiro e iniciaram uma nova fase de vacinação dos mais vulneráveis no mesmo dia, a 20 de abril.
Outros cinco países europeus não obrigam ao uso de máscara, mas ainda não começaram a administrar a segunda dose de reforço da vacina contra a Covid-19. São eles Suíça, Estónia, Bulgária, Moldávia e Bielorrússia.
Países como França, Alemanha ou Bélgica, por exemplo, já iniciaram a administração da quarta dose para os mais idosos e imunodeprimidos, mas ainda mantêm o uso obrigatório de máscara na maioria dos espaços fechados
Como Portugal se tornou líder mundial de casos
A incidência mais do que duplicou em Portugal desde que o fim das máscaras entrou em vigor, com a incidência a subir de 632 casos por 100 mil habitantes em sete dias a 22 de abril, para uma incidência de 1.529 casos por 100 mil habitantes, ultrapassando o país que era até agora o líder mundial: a Austrália, que regista uma incidência semanal de 1.428 casos por 100 mil habitantes.
Esta segunda-feira, a DGS confirmou quase 34 mil novos casos, um novo máximo desde fevereiro, e no domingo foram registadas 35 vítimas mortais da pandemia, o número mais alto de mortes em quase três meses. Nos últimos sete dias foram registados mais de 157 mil novos casos.
A mortalidade é a terceira maior do mundo, apenas atrás de Finlândia e Nova Zelândia, registando nos últimos sete dias 18,5 óbitos por milhão de habitantes - um aumento de 47% desde o fim da máscara, em relação aos 12,6 óbitos por milhão de habitantes.
Mas a estatística mais preocupante surgiu no último relatório epidemiológico do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge: entre 3 e 9 de maio, 41 em cada 100 testes revelaram-se positivos, tendo sido registada uma diminuição do número de testes realizados, mas uma subida brutal do número de casos confirmados no mesmo período.
O limite definido como seguro pelas autoridades de saúde é de 4%, o que significa que este indicador está 10 vezes acima do recomendado.
O aumento do número de casos levou a Direção-Geral da Saúde a anunciar na quinta-feira passada que os idosos com mais de 80 anos e os residentes em lares de terceira idade iriam começar a ser vacinados com a vacina para a Covid-19, que começou esta segunda-feira, em centros de vacinação ou centros de saúde, antecipando a fase que estava prevista apenas para o final de agosto.
Em comunicado, a DGS justificou que a recomendação tem o “objetivo de melhorar a proteção da população mais vulnerável, face ao atual aumento da incidência de casos em Portugal”.
A recomendação inclui ainda crianças e jovens entre os 12 e 15 anos com condições de imunossupressão, que passam a ser elegíveis para receber uma dose adicional de vacina contra a Covid-19 após parecer favorável da Comissão Técnica da Vacinação. "Os jovens com estas condições serão vacinados de acordo com orientação e prescrição médica", explica a DGS.
Em entrevista na sexta-feira à Renascença, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, admitiu ainda a administração de uma quinta dose. “Será provável, sim. A lógica da vacinação é administrar as doses que forem necessárias às pessoas que delas precisam”, justifica.
No imediato será feito este reforço “para cobrir uma eventual subida dos próximos meses”, depois será feito “outro reforço para cobrir a subida que esperamos que aconteça no outono e inverno, uma vez que este é um vírus com características sazonais e, portanto, como o vírus da gripe terá uma evidência epidémica no outono/inverno”.