Tudo aconteceu depois de 2020. Após uma denúncia de abuso a um menino, uma comissão diocesana deliberou que o comportamento do sacerdote foi desadequado, recomendando que não fosse posto a trabalhar com crianças. Contudo, o bispo arquivou processo.
A situação é descrita no relatório da Comissão Independente para o Estudo de Abuso de Crianças na Igreja Portuguesa (CI) e refere-se a um padre nascido na década de 1980 e ordenado já neste século.
A situação ter-se-á passado depois de 2020, quando um menino, que costumava acompanhar uma tia à missa, relatou aos pais que o padre lhe tinha mexido nos órgãos genitais quando se encontravam sozinhos na sacristia.
A tia do menor confrontou o sacerdote, tendo este negado “qualquer intenção sexual da sua parte”. De seguida, o padre comunicou a situação à Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis da diocese (CDPMAV), que de imediato contactou a familiar.
Foi feita uma investigação prévia, mas os pais da criança não depuseram e também não permitiram que o menino fosse ouvido. No seu relatório final, a Comissão Diocesana considera que “a tia da criança reagiu com espontaneidade, revelou vontade de evitar escândalo, mas também de proteger futuras vítimas”.
Os trabalhos concluiram que não havia factos que demonstrassem “a existência de um crime”, mas considerava o comportamento do sacerdote desadequado e recomendava que “tivesse acompanhamento psicológico e espiritual, que não fosse posto a trabalhar com crianças e fosse mudado de paróquia”.
O parecer também desaconselhava que o padre visado se tornasse moderador de um padre recém-ordenado. Contudo, o bispo não seguiu as indicações, alegando que “as inquirições não tinham dado como provados os atos denunciados”. Assim, o prelado arquivou o processo e manteve o padre nas mesmas funções.
De acordo com o relato inscrito no relatório da CI, a decisão provocou uma “reação enérgica” da Comissão Diocesana e motivou reuniões extraordinárias e discussões com o bispo. Um membro da CDPMAV terá afirmado que, face a esta desautorização, a estrutura diocesana “parece mais uma máscara das instruções papais do que a obediência às mesmas”.
Caso chega ao Vaticano
A tia da criança decidiu escrever ao Papa Francisco, descrevendo o caso e as conclusões, e manifestando revolta pelo facto de a diocese não ter adotado nenhuma ação. Na missiva terá dito ser “triste ver a inércia da Igreja perante estas questões".
O Núncio Apostólico enviou uma cópia dessa carta à diocese, levando à reabertura do caso.
Segundo o relatório, o bispo reuniu a documentação da investigação prévia, recolheu informação adicional e reportou o caso à Congregação para a Doutrina da Fé. Este Dicastério decidiu pelo arquivamento do caso, mas indicou que se impusesse ao acusado "uma advertência canónica, mantendo uma atitude de paterna vigilância para com ele".
Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:
- Serviço de Escuta dos Jesuítas , um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.
Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa
- Rede Care , projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.
Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.
Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt
- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores . São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.
São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.
Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.
Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:
- Projeto Cuidar , do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica
Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: partilha@rr.pt