“As pessoas não nos ouvem. O CDS não é considerado. Os indicadores são trágicos” – é com um alerta para a situação do partido que Filipe Lobo d’Ávila se demite da direção de Francisco Rodrigues dos Santos.
Na carta a que a Renascença teve acesso nesta quinta-feira, o centrista manifesta discordância com o caminho estratégico seguido tanto nas eleições regionais dos Açores como nas presidenciais.
Lobo d’Ávila teve 15% de votos no congresso do CDS, em janeiro de 2020. O seu acordo com Francisco Rodrigues dos Santos permitiu ao líder eleito ter maioria nos órgãos do partido. E Lobo d’Ávila aceitou ser um dos vice-presidentes, situação que recorda agora, na demissão.
“Ao longo de um ano contaste com toda a minha lealdade, assim como da de todos os elementos dos Juntos pelo Futuro. As divergências, mais ou menos profundas, foram manifestadas nos órgãos próprios, de forma reservada e transparente”, escreve.
Na carta, Filipe Lobo d’Ávila reconhece que “a nova direção enfrentou enormes dificuldades relacionadas com a pandemia, com o facto de o presidente não estar no Parlamento, com as enormes restrições financeiras que vinham inexplicavelmente do passado e, mais recentemente, com um clima de difícil articulação com o grupo parlamentar”.
Tudo isto, acrescenta, “num momento em que o efeito novidade no centro-direita não estava claramente no CDS, mas sim em novas forças políticas e onde era necessário afirmar uma nova liderança”.
Lobo d’Ávila acredita que “o CDS tem um papel insubstituível” e defende que “tem que ser absolutamente essencial para a criação de um projeto alternativo ao da governação socialista”.
“É chegada a hora de os partidos do centro-direita perceberem o que se está a passar, a começar pelo CDS. Estas eleições presidenciais são um bom exemplo de análise. Ganhou o candidato que não depende dos partidos e que nem deles precisa”, argumenta o ex-primeiro vice-presidente do CDS.
“Surpreendeu o candidato que é contra os partidos, contra o sistema e contra os políticos. No essencial, tudo o que é partido institucionalizado tem razões mais do que suficientes para se preocupar e para tentar perceber o que se está a passar”, analisa o dirigente demissionário, para quem as declarações de todos os partidos na noite eleitoral falharam nessa reflexão.
“O CDS tem que ser um partido útil à democracia portuguesa e só o será se conseguir inverter a tendência de morte lenta que todos os indicadores, consistentemente, nos vão reservando. O partido só será verdadeiramente útil se não se dividir em grupos, grupetas ou gangs mais ou menos organizados. O CDS não sobreviverá, e não sobreviverá mesmo, a uma nova disputa fratricida”, alerta por fim Lobo d’Ávila, para quem o único caminho tem de ser o da pacificação do CDS.
“Aprendi a estar no CDS em liberdade, seguindo líderes e não presidentes. Muito sinceramente, conforme te transmiti pessoalmente, não acredito que seja possível inverter este caminho, sem que nada se faça. Assobiar para o lado não é manifestamente o meu forte. O CDS não tem donos. Não é nosso. Não é dos de sempre, sobretudo daqueles que ao longo deste ano tudo fizeram para que as coisas não funcionassem ou mesmo daqueles outros que se reservam agora para 2022 ou para 2030, quando já não tiverem outros afazeres. Não é possível assobiar para o lado. O CDS não sobreviverá se não encontrarmos uma solução transversal e pacificadora e que nos volte a dar relevância”, escreve ainda Filipe Lobo d’Ávila, que pede a demissão de vice-presidente com efeitos imediatos e deixa claro que não será candidato em 2021, nem se reserva para “outros calendários”.
A direção de Francisco Rodrigues dos Santos tem mandato até janeiro do próximo ano, mas, esta semana, Adolfo Mesquita Nunes, ex-vice-presidente de Assunção Cristas, já veio pedir um congresso antecipado.
E Nuno Melo, também ex-vice de Cristas e de Portas, em entrevista à Renascença e ao “Público”, manifesta disponibilidade para ser candidato em 2022.