Percorremos os corredores da exposição com antigos dirigentes estudantis. Trocam memórias, recordam caras e a irreverência da época. “Tínhamos a perspetiva de desafiar a autoridade, de a pôr em causa, questionar”, conta a antiga aluna de Letras Maria Emília Brederode Santos que concluiu, no entanto, que não tinham “a perspetiva que o Governo ia cair dali a nada”. O cineasta João Botelho recorda um episódio insólito com Américo Tomás, Presidente da República durante a ditadura do Estado Novo.
Estávamos então, em 1962. O ano ficou marcado pela crise académica que começou a 24 de março, quando o Estado Novo proibiu as comemorações do Dia do Estudante e a polícia ocupou a Cidade Universitária, em Lisboa.
Este é um dos episódios iniciais da exposição “Primaveras Estudantis: Da crise de 1962 ao 25 de Abril”, que é inaugurada esta quinta-feira e que vai ficar patente até 28 de agosto no Museu de História Natural e da Ciência, da Universidade de Lisboa.
Através de documentos, fotografias, filmes, mas também sons da época, a exposição mostra como no caldo das universidades de Lisboa, Coimbra e Porto, foi borbulhando a oposição ao regime de Salazar.
Pedro Adão e Silva, que preside à Comissão das Comemoração dos 50 anos do 25 de Abril, explica que pensaram as celebrações “como uma combinação entre memória e futuro”.
A programação é construída com base na “evocação de momentos cruciais para a construção da democracia, e o papel do movimento associativo estudantil é um desses momentos cruciais”, diz Adão e Silva.
“Também temos a capacidade de transportar isso para os nossos dias, para a atualidade e isso é particularmente interessante nas universidades que, como era no passado, têm também de ser hoje um espaço de liberdade.”
Nos corredores onde se pode ver, por exemplo, a lista de nomes dos estudantes que fizeram greve de fome, ou, mais à frente, ver filmes originais guardados nos arquivos da Cinemateca e olhar fotografias censuradas, fica-se a perceber a dinâmica vivida nas universidades portuguesas.
O realizador de cinema João Botelho foi aluno de engenharia em Coimbra. Durante a visita à exposição, ao olhar as fotografias das manifestações em que participou, revela publicamente, pela primeira vez, um dos seus atos de irreverência estudantil.
A rir, João Botelho conta: “O momento mais alto da minha vida em Coimbra foi ter dado um apalpão no rabo do Américo Tomás! Garanto eu! É a primeira vez que estou a contar. Foi no dia do ‘peço a palavra’ do Alberto Martins, em que lhe diziam ‘não pode porque vai falar o senhor ministro’…depois acabou a sessão e ele saiu pela coxia e eu estava na coxia”.
Este episódio não consta da narrativa da exposição, apenas da memória dos protagonistas da luta estudantil. Esta contestação foi o embrião da mudança política de 1974. Quem o disse foi Jorge Sampaio. A frase “o 25 de Abril começou a 24 de março de 1962” com que abre a exposição, como uma espécie de mote, é da autoria do ex-Presidente da República.
O comissário Álvaro Garrido, professor de História da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, recorda a atuação do Estado Novo, com “o encerramento das associações estudantis entre 1962 e 1965” que levou à “radicalização” da luta estudantil.
Também na exposição está o papel das casas de estudantes, a forma como eram fabricados e difundidos os comunicados entre alunos universitários e muitas outras memórias que vão até ao tempo do PREC.
Um fio de memórias que pode ser visitado numa exposição que contou com a colaboração dos três historiadores Ana Sofia Ferreira, Francisco Henriques e Gil Gonçalves e do jornalista Paulo Pena e que tem a conceção e realização museográfica de António Viana que pode ser visitada no Museu de História Natural e da Ciência de Lisboa, até 28 de agosto.