A grande crise
22-03-2020 - 23:36
 • José A. da Silva Peneda *

Este é um dos momentos da história em que são precisos líderes que percebam que o maior ensinamento que o coronavírus nos proporcionou tem a ver com a existência de valores que estão bem acima do culto do individualismo.

São muitas as opiniões que afirmam que, depois da crise do coronovírus, nada será como dantes.

Então, como será depois? Mudaremos de comportamento? Colocaremos o coletivo à frente do individualismo? O chamado neoliberalismo terá os dias contados? Apelaremos mais ao intervencionsmo do Estado? As teorias Keynesianas sairão reforçadas? As políticas sociais públicas terão outra focalização e vão previlegiar a proximidade?

O projeto da União Europeia caminhará no sentido de uma maior integração política e económica? O teletrabalho vai ser fortemente incrementado? O ensino à distância passará a ser um pilar esssencial dos sistemas educativos? Os populismos irão proliferar ou, pelo contrário, um maior reforço da consciência coletiva será suficiente para a sua rejeição?

O consumo desenfreado como indicador de felicidade será atenuado? O ter e o parecer vão regredir em relação ao ser? A globalização terá uma maior regulação? Fará sentido a discussão entre direita e esquerda? Mais conhecimento e mais inovação serão canalizados essencialmente para a melhoris das condições de vida no planeta? O combate à pobreza e às desigualdades será uma prioridade global?

Estas são algumas das questões às quais as sociedades do pós-vírus terão de responder.

Ainda não é possível termos respostas para todas estas perguntas. Apenas percebemos que hoje a prioridade é a saúde pública e há uma clara preocupação dos governantes em procurar que se atinga um adequado equílibrio para tentar salvar, pelo menos, uma parte da economia no que respeita, na medida do possível, à manutenção do emprego e dos rendimentos, porque é sabido que sem economia as sociedades não existem. Em tudo o resto há apenas opiniões, a maior parte das vezes muito pouco fundamentadas.

Um aspeto que parece ser claro prende-se com a ideia de que a saída não pode ser encontrada país a país e, por isso, o conceito de solidariedade vai impôr-se não por uma questão de “ideal” mas como uma necessidade. Dadas as circunstâncias, o funcionamemto da economia vai depender, em larga medida, das decisões tomadas pelos Estados, e daí que o chamado mercado vá ter poderes mais limitados. A este respeito, alguém já disse que vamos passar de um tempo em que, se antes da crise a preocupação maior tinha a ver com a acumulação de capital, no novo tempo teremos uma economia baseada na dívida.

Há sinais de que a União Europeia encara como uma necesidade a mutualização da dívida e, se assim for, o conceito de globalização vai mudar, porque vai passar a ser dominado pela gestão da dívida colossal que terá de ser contraída pelos agentes económicos e em que os sistemas bancários vão desempenhar um papel muito relevante.

A ir por este caminho admito como inevitável que a União Europeia explicite, através de um sinal muito claro, que quer mesmo minimizar as consequências da crise e que está disposta a colocar como prioridade maior o relançamento da economia.

Como também é provável a declaração do estado de calamidade ou de emergência para a economia europeia, o que significa a constatação de que todos os Estados Membros da União estão convictos de que só juntos poderão encontar uma saída minimamente satisfatória.

Parte desse sinal já foi dado quando a Comissão autorizou que o limite do déficite orçamental de 3% pode ser ultrapassado, sem restrições de qualquer espécie.

A situação é confusa e muito complexa. Arrasta muito mais dúvidas e poucas ou nenhumas certezas. Este é um dos momentos da história em que são precisos líderes à altura da situação que vivemos. Líderes que percebam que o maior ensinamento que o vírus nos proporcionou tem a ver com a existência de valores que estão bem acima do culto do individualismo. Aí sim, teremos a política, no seu sentido mais nobre, no seu esplendor.

*Antigo ministro, deputado europeu, presidente da Concertação Social e conselheiro do Presidente da Comissão Europeia Jean Claude Junker.